Desafiar padrões de tempo e espaço está entre as bases da técnica cinematográfica que, por meio de uma linguagem narrativa condensada, dá à chamada sétima arte uma aproximação dos desafios da ciência, quando o assunto é tirar o homem de órbita. Projetar atmosferas fantasiosas ou recriar viagens monumentais do homem no espaço sempre fizeram do cinema uma plataforma desafiadora para os mais experimentados roteiristas e cineastas.
Diretor de Tudo pela vida e Limbo, John Sayles, no livro Passado imperfeito, esclarece a dimensão de cada missão. ;Conversei com os astronautas e meu trabalho foi traduzir o que eles dizem para uma linguagem que nós, não cientistas, entendêssemos. Precisei encontrar um meio de entrar nas explicações técnicas sem as simplificar a ponto de não serem mais verdadeiras;, ressalta, naquela publicação organizada por Mark C. Carnes.
Escritor que passou quase uma década trabalhando junto a astronautas, na redação de pesquisas, Andrew Chaikin, num de seus textos, prima nos comparativos entre a autenticidade vista pelos homens que foram à Lua e os efeitos do que viram no cinema. Bill Anders, um dos integrantes da Apollo 8 ; cujos objetivos levaram à entrada na órbita da Lua (1968) ;, por exemplo, surpreendeu, ao comentar sobre ;a decepção; de viver a realidade em contraponto ao que foi projetado pelo cinema, particularmente em 2001 ; Uma odisseia no espaço, justamente do mesmo ano.
Naquele filme de Stanley Kubrick, houve uma redefinição do patamar visual do espaço sideral ; inclusive com ênfase para o escasso diálogo ; e acurada supervisão técnica de Kubrick, nas 205 cenas de efeitos especiais dispostos no filme, que levou quatro anos de esforços para ser realizado.
O interesse generalizado pela exploração das ficções científicas leva o mercado do cinema a nutrir uma plateia que bem responde aos chamados de estreia. A renda do recém-lançado O primeiro homem (sobre feitos de Neil Armstrong) gerou mais de R$ 2,5 milhões para o mercado brasileiro ; dado significativo, já que corresponde a um terço da arrecadação com o sucesso Venom (da Marvel). Curiosamente, uma valsa move cenas de O primeiro homem, seguindo uma cartilha quase dogmática de 2001, que alinhou peças de Johann e Richard Strauss.
Com supervisão de Douglas Trumbull ; o mesmo profissional de efeitos vistos em longas como Blade runner e Contatos imediatos do terceiro grau ; 2001 segue imbatível, como referência de cinema. Uma vez visto, ninguém esquece o destino dos integrantes da Discovery I, aeronave que tinha uma tripulação sob o jugo do computador hipervaidoso, batizado de HAL 9000 (tradução das iniciais de ;heurística e algoritmo; ; expressões que definem procedimentos algo instintivos e regras cadenciadas por lógica. Uma semelhança imediata com os efeitos de certos títulos do escurinho do cinema.
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Marcos do cinema
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Apollo 13 (1995)
Fã confesso de 2001, Tom Hanks ; que tem produtora chamada de Base Clavius (em celebração do universo Kubrick) ; assumiu o personagem de Jim Lovell, que, em 1966, havia sido comandante da última missão Gemini, que antecedeu a missão algo desastrosa da Apollo. Cerca de dois anos depois, a Apollo 17 seria a última missão tripulada a alcançar a Lua. No filme de Ron Howard, filho de ex-controlador de voo, uma nave de carga, a KC-135 (conhecida por Vomit Comet) permitiu aos atores estarem numa simulação da ausência de gravidade, e dado o som ambiente pesado, foram necessárias dublagens.
Vazamentos de gás, explosão no tanque de oxigênio e disputa pelo controle na correção de trajeto de aeronave estiveram entre as forças negativas enfrentadas pelos astronautas Lovell, Fred Haise e Jack Swigert. Em 1970, eles passaram quatro dias algo à deriva, até o retorno à Terra, em meio a procedimentos milimétricos, frio e exaustão. Em Terra, do centro de controle, Ed Harris personifica a figura de Gene Krantz, quase um líder de torcida, no retorno dos heróis norte-americanos.
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2001: Uma odisseia no espaço (1968)
Para os efeitos especiais da obra-prima de Kubrick foram necessários 18 meses e um investimento de US$ 6,5 milhões (entre os US$ 10,5 milhões empregados). Para a elaboração visual, 35 designers se juntaram a 20 técnicos, no jogo narrativo de Kubrick aberto à interpretação e que aposta na sensibilidade da compreensão particular de cada espectador. O Oscar veio, portanto. Foi a partir de um texto de Arthur C. Clarke, que estipulava 1996 como marco para descobertas estrondosas para os terráqueos, num conto de 1948 nutrido por valores da inteligência e insegurança humana e domínio de máquinas.
Houve interação acentuada entre Kubrick e Clarke, que escreveu o roteiro (e um livro) no Chelsea Hotel, o mesmo quartel-general dos beatniks. David Bowman (Kier Dullea) e Frank Poole (Gary Lockwood) são os protagonistas da narrativa que sonda os progressos, agressão e dissabores dos representantes da humanidade enviados rumo a Júpiter, possível ponto de retorno de sinais lunares que averíguam dados para supostas existências superiores. Com poder de síntese absurda, Kubrick acaba por sublinhar a sapiência dos primatas (pré-guerra) e implantar gama de indagação acerca do futuro da humanidade.
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Os eleitos: Onde o futuro começa (1983).Foi o próprio Chuck Yeager, da Força Aérea norte-americana, que serviu como consultor do filme assinado por Philip Kaufman (A insustentável leveza do ser). Nas telas, ele é representado por Sam Shepard (indicado ao Oscar, no filme destacado na premiação pela montagem, música e pela qualidade do som). Acompanhando desde os anos de 1940, com a quebra da barreira do som (por Weager), o filme que tem roteiro baseado em livro do jornalista Tom Wolfe (A fogueira das vaidades) acompanha dos primeiros passos do programa espacial até o feito de Gordon ;Gordo; Cooper que, engajado no Projeto Mercury, sozinho, em 1963, ficou quase um dia e meio, entre voltas na órbita da Terra, chegando a dormir no processo (um feito inédito, à época).
Para além do rigoroso processo de seleção de sete astronautas, o roteiro de Os eleitos dá alta relevância para a obsessão da mídia de cada passo reservado aos astronautas, e cobre a importância da vida doméstica de cada um dos eleitos. Numa das melhores cenas, Annie (Mary Jo Deschanel), mulher de John Glenn, recebe o apoio do marido para praticamente enxotar dos arredores da casa o então vice-presidente Lyndon B. Johnson.