Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Ilustrador Odyr leva para os quadrinhos clássico de Orwell

História da revolta da bicharada foi escrita por autor britânico como uma crítica ao fascismo


Era uma utopia que os porcos Bola de neve e Napoleão queriam criar em A revolução dos bichos, de George Orwell. Eles reúnem a bicharada e a convencem do projeto mas, lá pelas tantas, Napoleão, seduzido pelo poder, dá um golpe. A revolução descamba para o totalitarismo e Orwell não hesita em ser panfletário para tratar do tema. A história, um clássico da literatura de língua inglesa, parecia se encaixar perfeitamente em um quadrinho, por isso o ilustrador gaúcho Odyr Bernardi topou o convite da Companhia das Letras para ilustrar o romance. ;É um livro ideal no que se propõe. Tão ambicioso em seus temas, tão acessível como narrativa ao escolher o formato da fábula. E tão rico em possibilidades visuais, com esse elenco fantástico de animais e cenários naturais;, conta Odyr.

O resultado é um livro, como diz o autor, visualmente aberto e acessível. Em páginas inteiras e duplas, com pouquíssima divisão em quadros e desenhos que remetem aos livros infantis, Odyr consegue tornar a história acessível até mesmo para aqueles que não estão acostumados com quadrinhos. Como o texto do romance é curto, ele não precisou adaptá-lo: a escrita original de Orwell é transportada para as ilustrações com alguns cortes, já que a linguagem dos quadrinhos exige um tratamento mais sintético. Mas está lá a crítica do escritor britânico, que escreveu o livro como uma crítica à ascensão do stalinismo na ex-União Soviética. Tal qual nas fábulas, os bichos representam as fragilidades humanas de uma maneira satírica e caricatural.

Odyr lembra que, para um texto curto como é o original, um número incrível de coisas acontecem. ;Minha ideia era fazer justiça ao original ; ser como uma espécie de livro infantil para adultos;, diz o quadrinista. ;E queria achar um equilíbrio com os animais ; não exatamente realistas, mas realistas o suficiente para que suas existências tivessem peso e significado e as pessoas pudessem se identificar com suas desventuras.; No processo de escolha dos episódios, ele selecionou o que apresentava possibilidade de desenvolvimento e parecia mais importante.
A revolução dos bichos é o terceiro livro de Odyr realizado com roteiro escrito por outro autor. Em Copacabana, o roteirista Sandro Lobo foi o responsável pelo texto, um policial sobre a decadência do bairro carioca. Com Angélica Freitas, o quadrinista fez Guadalupe. ;Não tenho um forte impulso narrativo. É um conforto trabalhar com o texto dos outros ;tudo está mapeado, você tem claros pontos de referência, sabe aonde vai chegar. De uma certa forma, é muito libertador. Te permite se concentrar na visualização ao longo da jornada, na clara narrativa, nas melhores imagens. Cada dia você pega um trecho e faz o seu melhor a partir dele, sabendo que a estrutura geral da coisa já está resolvida;, explica o artista. Para ele, adaptar um quadrinho a partir de um clássico da literatura permite brincar com as fronteiras entre as linguagens, mas é preciso ter sempre em mente a necessidade de criar um valor agregado, ;algo com vida própria;. ;Senão, você estaria simplesmente criando um resumo para preguiçosos;, acredita.



A revolução dos bichos
De George Orwell. Quadrinhos de Odyr. Companhia das Letras, 176 páginas. R$ 69,90



TRÊS PERGUNTAS / Odyr


Qual a atualidade do texto de George Orwell?
Não creio, infelizmente, que vá haver um período da humanidade onde o livro venha a ser obsoleto. A liberdade está sempre sob ameaça, o poder sempre corrompe e as pessoas estão sempre inclinadas a aceitar as soluções mais fáceis. Mas, obviamente, seus temas são urgentes nesses dias, com um candidato francamente ameaçando nossa democracia, um espírito de violência e fascismo nas ruas sendo abraçado por uma parcela significativa de nossa população.

Você disse, em uma entrevista, que a humanidade precisa de conforto e de confronto. Enxerga essa dualidade em A revolução dos bichos?
Acho que você se refere a uma divisão que vi pela primeira vez explicada pelo Ziraldo ; que havia artistas que sentiam como sua missão trazer beleza para o mundo e outros, apontar suas injustiças. E que os dois seriam igualmente importantes. O que gerou algum conflito para mim, na verdade, porque me sinto parte do primeiro grupo e Orwell é claramente do segundo ; Orwell não se incomodava nem com ser chamado de panfletário, para ele era isso mesmo, seu trabalho tem esse espírito de denúncia. Tentei conciliar esses dois impulsos ; trazendo beleza e alegria onde possível, mas conformado com o fato de que Orwell tem uma agenda, coisas que ele tão claramente quer dizer e que são coisas sombrias e necessárias.

E no Brasil contemporâneo, como estamos de conforto e confronto?
Que tempos são esses que falar de árvores é quase um crime, dizia o Brecht. É o momento em que estamos ; a urgência dos fatos não dá muito espaço para a beleza. O sujeito tem praticamente vergonha de postar uma pintura na internet, quando o mundo está pegando fogo. O que é compreensível, mas há que se achar um equilíbrio entre o horror e a alegria ou a vida não vale a pena.