É em companhia de Maria Rita que Andrea Bocelli sobe hoje ao palco montado no gramado do Mané Garrincha para se apresentar em Brasília pela primeira vez. A quinta turnê do tenor italiano pelo Brasil é também aquela que comemora seus 60 anos, uma celebração que vai trazer clássicos inevitáveis do repertório do artista, mas também algumas novidades.
Há pouco mais de 20 anos, Bocelli ganhava a cena da ópera pop com Romanza, uma compilação de músicas românticas italianas. Era o terceiro disco do tenor, mas um marco de início de uma carreira que resultaria em 26 álbuns, sendo 11 dedicados a óperas do repertório erudito, como Turandot, Pagliaci, Tosca e La Boh;me. Agora, para comemorar os 60 anos e após 14 sem lançar um disco de inéditas, ele está de volta com Si. O álbum, programado para ser lançado em outubro, levou três anos para ser produzido e foi, segundo Bocelli, um trabalho complexo.
Se há uma temática que define as canções, produzidas especialmente para a voz do tenor, ela é o amor. A ideia do título, uma contribuição do filho de Bocelli, está ancorada na simplicidade, uma das marcas do tenor, que não gosta de camarins espalhafatosos e recebe fãs e amigos ao final de cada concerto.
No domingo, Bocelli cantou em Porto Alegre, onde estreou a turnê brasileira, realização da Dançar Marketing. Depois de Brasília, ele se apresenta em São Paulo. Para a capital, promete ;uma festa para o coração e os sentidos;. ;Não há nada mais emocionante do que compartilhar através do mistério da música, um momento de alegria, de otimismo, de serenidade;, disse ao Correio. ;O concerto que proponho será uma homenagem à beleza e se desdobra em algumas de suas muitas expressões: das obras-primas do repertório lírico, com peças operísticas universalmente conhecidas e amadas, aos clássicos do pop. Com, claro, surpresas relacionadas ao meu álbum.;
Andrea Bocelli
Hoje, às 21h, no Estádio Nacional Mané Garrincha. Ingressos: R$ 125 (meia-entrada), na Área Bronze, R$ 750 (meia-entrada), na área Diamante
ENTREVISTA / Andrea Bocelli
São 20 anos desde que você lançou Romanza, disco que se tornou um clássico. Desde então, o que mudou na sua carreira?
A experiência, inevitavelmente, muda a gente: hoje, bem ou mal, quando subo ao palco, tenho um ;vivido; que reverbera ; assim espero, pelo menos ; no canto. Mas o ímpeto é o mesmo: é o mesmo desejo de emocionar e compartilhar o mistério da boa música. Sobre o álbum Romanza, é verdade, suas músicas me acompanharam por 20 anos e, enquanto isso, o tempo, em mim, cumpriu seu dever. Mas o disco não envelheceu: é como se as músicas tivessem sido escritas ontem! Romanza, já sublinhei muitas vezes, é uma parte de mim, foi o trampolim da minha carreira internacional e continua a ser a síntese mais intensa da minha história pessoal e artística.
Você, normalmente, gosta de convidar artistas locais para cantar duetos, como Anitta e Sandy. O que espera de sua parceria com Maria Rita nesta turnê?
Será uma experiência excepcional, estou sinceramente empolgado e aguardo com alegria e expectativa essa linda oportunidade de dividir o palco com Maria Rita, uma grande artista, um verdadeiro ícone do repertório latino. Por outro lado, ;sangue bom não mente;, como se diz na Itália. Maria Rita tem a mesma energia nos cromossomos, o mesmo gênio que distinguia a produção artística de sua mãe lendária.
Cedo na sua carreira, quando cantava nos bares, a música brasileira sempre esteve no seu repertório. Como foi esse encontro?
Verdade, é um repertório que eu venho namorando desde os 20 anos, quando toquei no piano bar da província da Toscana. Foi uma estranha confusão que me levou a estudar, cantar e tocar muitas peças de sua terra. É impossível fazer uma lista completa dos grandes artistas brasileiros que amo, de Tom Jobin a Vinicius de Moraes, de Gal Costa a Elis Regina, de Caetano Veloso a João Gilberto. Como sempre digo, é simplesmente impossível para um músico ignorar a contribuição do Brasil: sua música é ;vida; em estado puro.
Você não é uma estrela extravagante, que gosta de exageros gastronômicos ou decorativos no camarim. Como vai ser no Brasil? O que não pode faltar no seu camarim?
Depende do momento, se antes ou depois do desempenho. Antes, não tenho nenhuma necessidade, a não ser a possibilidade de me concentrar o máximo possível e, se possível, de não falar para preservar as cordas vocais. Depois da apresentação, o camarim enche-se de alegria e saúdo tanto velhos como novos amigos. É uma oportunidade para um abraço direto com o meu público. O que não pode faltar no camarim é um piano, meu companheiro de confiança, uma ferramenta de trabalho e prazer. Companheira inseparável de cada tour é também a flauta transversal: para mim, é outra maneira de cantar! Antes de cada concerto, trabalho na flauta transversal para ativar o aparelho vocal e fazer o diafragma funcionar sem envolver a voz.
Em tempos de ódio e intolerância, o que a música representa para você?
Na verdade, parece-me que o mundo atual é muito menos brutal do que há 100 ou mil anos, quando a população era menor e, no entanto, a vida era muito mais intolerante e sangrenta do que a de hoje. Onde quer que haja um ser humano, a eterna luta entre o bem e o mal toma forma. Um confronto do qual tenho motivos para esperar que o bem triunfará. Para que isso aconteça, todos devem fazer sua parte. Como sou um crente, minha convicção é de que o mal se opõe a Deus. E eu acho que a beleza, entendida como algo que não pertence ao mal e como algo que não pode ser obscurecida pelo orgulho humano, pode ser uma resposta importante em contraposição ao ódio e à intolerância. Eu acredito na beleza da bondade e na bondade intrínseca da verdadeira beleza. Beleza que é naturalmente difícil de definir, porque falamos de algo perceptível, mas não capturável: é algo que podemos reconhecer, é claro, na boa música e em qualquer outra forma de arte. Experiências que ajudam a crescer, desenvolver-se espiritualmente, trazendo fatalmente uma mensagem de paz e fraternidade.
Cristiano Ronaldo joga agora em um time do seu país (a Juventus). Você acha que o futebol italiano pode ir à Copa do Catar?
Eu realmente espero que o próximo campeonato dê à Itália mais satisfação, comparado ao passado recente. Sempre fui um fã ávido. Até porque acho que futebol e ópera têm mais em comum do que pensamos: mesmo tamanho do ritual, a mesma capacidade de atrair exaltações sólidas e partidários inquietos, a mesma projeção de vida na experiência do jogo, onde desafios à morte são evocados, explosões de generosidade, heroísmo, tropeções fatais, conquistas magníficas. Um jogo que inclui uma arena de heróis, que excita e se move, que se irrita e se divide, assim como no palco lírico.