Ricardo Daehn
postado em 22/09/2018 07:15
O cinema e as artes, no passado, foram homenageados no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em filmes como Louco por cinema (1994). A chamada sétima arte dá voltas em si e no seu processo de realização, novamente, no longa Ilha, assinado pela dupla Glenda Nicácio e Ary Rosa.
Tal qual em Café com canela (reconhecido pelo público e pelo júri como melhor roteiro e atriz, no festival do ano passado), Ilha perpassa o subdesenvolvimento para, enxertado de citações e agregando elementos poéticos, projetar um cinema de resistência que dê moral aos marginalizados e imploda preconceitos.
No filme, Emerson (Renan Motta) exige que seja objeto de narrativa para um futuro filme do celebrado diretor de cinema Henrique (Aldri Anunciação). Na base ;do amor e da dor;, busca adesão do diretor para o projeto que virá a reavivar e polir sentimentos do passado. Ao angariar a atenção de Henrique, ambos os personagens se veem enredados numa cadeia também nutrida de amor e dor. Um dos méritos do longa foi o de trazer humor a um roteiro recheado de diálogos empolados. O ator coadjuvante Sérgio Laurentino, numa interpretação cativante, é um dos intérpretes que se provam tão eficientes quanto os atores centrais.
Arremedos de Abraços partidos (2009), Madame Satã (2002), de Café com canela, e ainda de intenções à la Pasolini (Pocilga), ancoram Ilha. São tantos confetes reservados para o fazer audiovisual que o espectador pode se sentir numa oficina de cinema, na redundância da apresentação dos dispositivos cinematográficos. Cercados de fotogramas por todos os lados, os diretores ficam ilhados.
Encantados e presos à concepção de filme, os próprios diretores entram em cena. A quebra da quarta parede traz ousadia, bem como o entoar de praticamente uma música inteira de Lô Borges, para reforçar aspectos de rotina e solidão das personagens. É admirável que, com três pessoas creditadas no comando das imagens do filme, se chegue à unidade estética.
Com metalinguagem às raias do exagero, Ilha discorre sobre a arte pela arte, busca de sonhos, perdas e das dificuldades de inserção no terreno da arte nacional. Ao menos, o filme se liberta de rústicos trejeitos cinemanovistas que chega a ensaiar.