A democracia e o direito à educação batem à porta do Cena Contemporânea neste fim de semana com dois espetáculos que refletem sobre problemas sociais e políticos da América Latina. Salve Malala! dá voz às meninas para falar do direito à educação, e Tijuana fala da vida dos mexicanos na fronteira com os Estados Unidos.
O diretor e ator mexicano Gabino Rodríguez trabalhou em uma fábrica em Tijuana durante seis meses para criar o espetáculo que leva o nome da cidade. Localizada na fronteira com os Estados Unidos, a 36 quilômetros de San Diego, a cidade é conhecida por ser um ponto de partida para atravessar a fronteira, legal ou ilegalmente, e como um entreposto do tráfico de drogas. São situações decorrentes de uma desigualdade enorme e é sobre isso que o espetáculo de Gabino e da companhia Lagartijas tiradas al sol fala.
Enquanto trabalhava na fábrica, o ator e diretor ficou completamente isolado. Voltou com um material cênico que propõe uma discussão política sobre a sociedade mexicana. O espetáculo faz parte do projeto Democracia no México ; 1965-2015, formado por 32 peças, uma para cada estado do país.
Tijuana foi escolhida porque tem uma economia muito diferente do resto do país. ;É a primeira cidade da fronteira a Oeste e isso faz com que a economia de lá esteja atrelada à economia estadunidense, ao contrário do que acontece em outras zonas do país. Tanto que em alguns lugares de Tijuana você pode escolher pagar em dólar ou em peso;, explica Gabino. ;Há um fenômeno terrível de desigualdade nessa fronteira. Na época da pesquisa, o salário mínimo no México equivalia a US$ 3,50 ao dia. Nos EUA, era US$ 8, a hora;.
Gabino explica que a questão do trabalho discutida em cena tem também reflexos em outros países da América Latina, já que o continente compartilha alguns problemas sociais. ;A história política, devido à colonização, é muito parecida;, diz o diretor. Para ele, o espetáculo não é exatamente uma crítica, mas uma maneira de compreender o processo democrático do México. Assim como no resto da América Latina, há situações no país que ameaçam o regime democrático, mas é a economia o que mais interessa em Tijuana. ;Há práticas econômicas que passam pelo processo democrático. Então a discussão passa por isso;, lembra Gabino.
Educação em voga
Em Salve Malala!, da companhia paulistana La Leche, tudo gira em torno da educação. No palco, Yan e Sofia são estudantes secundaristas. Eles discutem sobre a situação das escolas no Brasil ao mesmo tempo que estão numa aldeia, reflexo de seus medos e sonhos, vê o direito de as meninas estudarem ameaçado por um líder autoritário. Malala, a adolescente paquistanesa premiada com o Nobel da Paz por resistir às proibições do talibã, não está presente, mas sua história é evocada a cada momento.
Salve Malala! estreou em 2016 e, desde então, percorre escolas públicas, unidades do Sesc e festivais de teatro. ;A ideia era pesquisar a voz de uma menina, no caso de fato pensando na voz de uma mulher, como ativista dos direitos da educação. Naquele momento, tanto a Malala quanto as ocupações das escolas públicas no Brasil estavam sendo discutidas ou estavam muito na mídia;, lembra Cris Lozano, diretora do espetáculo. ;E estava acontecendo o movimento dos estudantes secundaristas no Brasil. Partimos da biografia da Malala, escolhemos alguns momentos importantes em relação ao direito à educação das meninas no Paquistão e estabelecemos uma relação com o direito à educação dos estudantes de escolas públicas.;
A cada montagem, a diretora introduz cenas para comentar fatos recentes da atualidade brasileira. No caso da apresentação de Brasília, a política é inevitável. ;Brasília é um prato cheio. A gente cita bastante esse governo ilegítimo, fala bastante do golpe, brinca um pouco com isso, mas numa linguagem infantil;, avisa a diretora.
Salve Malala!
Companhia La Leche. Direção: Cris Lozano. Com Alessandro Hernandez e Lélia Rapozo. Hoje e amanhã, às 17h, no Teatro Plínio Marcos (Funarte). Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia). Classificação livre.
Tijuana
Lagartijas tiradas al sol. Direção e atuação: Gabino Rodríguez. Hoje e amanhã, às 21h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Ingressos: R$ 20 e R$ 10. Não recomendado para menores de 15 anos.