Adriana Izel
postado em 14/08/2018 07:29
O grafite está entre os movimentos artísticos que, durante muito tempo, enfrentaram os mais diversos tipos de preconceito. Aos poucos, ele tem ganhado espaço e reconhecimento pelas ruas do Distrito Federal. Ele invadiu de vez a área pública, está nos espaços culturais, como o Espaço Cultural Renato Russo e o Centro de Dança do DF, e até nos eventos, como nos ecocopos do projeto Na Praia.
No entanto, o caminho até aí não foi fácil e continua tendo desafios. Confundida muitas vezes com pichação, a arte urbana sofreu represálias em sua trajetória, como no ano passado, quando foi apagada das ruas da capital paulista após decisão de João Doria, ex-prefeito de São Paulo. E, de certa forma, no DF, quando foi sancionada uma lei distrital neste ano prevendo multas de até R$ 10 mil para pichações em edificações públicas. A lei acabou esbarrando no trabalho dos grafiteiros do DF.
;Ao querer falar sobre pichação, ela incidiu sobre os grafiteiros e gerou mobilização intensa. Começamos a pensar em como evitar que o grafite caísse, mais uma vez, num estereótipo de marginalizado e criminalizado. Assim, chegamos a elaboração de editais pensando na remuneração e na valorização desses artistas;, explica Jaqueline Fernandes, subsecretária da Cidadania e Diversidade.
A principal resposta a essa lei e também resultado de uma movimentação iniciada no ano passado no DF (veja quadro) foi a instituição de uma Política de Valorização do Grafite, um decreto sancionado em 3 de julho, e que foi apresentado durante a abertura do Espaço Cultural Renato Russo 508 Sul, com a participação de mais de 15 artistas que confeccionaram murais grafitados no local. ;O grafite contempla uma diversidade infinita de colocar problemas raciais e sociais e sofre preconceito, é tratado muitas vezes como crime e vandalismo. Entendo que essa política é uma forma de combater o estereótipo;, completa Jaqueline Fernandes.
;Acho que o ponto principal dessa lei é que estamos lutando contra a penalização do grafite. Acho que estamos caminhando;, defende Brixx Furtado, que participou da pintura na 508 Sul e também está com desenhos expostos em ecocopos do projeto Na Praia e iniciou os trabalhos em 2010 na época em que morava em Taguatinga. ;A importância que vejo é que eleva o grafite a outro nível. Estávamos tateando e agora as portas estão sendo abertas. É muito difícil, por exemplo, não ter autorização para fazer sua arte. Então, isso é uma coisa legal;, classifica o grafiteiro Paulo Curujito, que também pintou o Espaço Renato Russo e foi contemplado no edital para o evento Brasília de Todas as Culturas, realizado em três regiões administrativas do DF no início de agosto. Ele é um dos integrantes do grupo Crew Nação Hip-Hop, de Santa Maria.
Resultados
Como parte da política, três editais foram publicados pela Secretaria de Cultura. O primeiro deles para uma exposição no Centro de Dança, intitulada Dança, diversidade e cidade, em cartaz desde 31 de julho no espaço. Dezenove grafiteiros da cidade se inscreveram, e os projetos de três deles ; Carli Ayô, Daniel Sinimbú (DHOS) e Didi Colado (Crew Risofloras) ; foram selecionados.
;Cada vez mais, consideramos em dança, o pensamento coreográfico como uma relação. O corpo do dançarino não é somente o corpo anatômico, é a relação que ele estabelece no espaço. Quis fazer esse convite aos grafiteiros para mostrar que a dança está aberta a outra linguagens e entendimentos de corpo;, define Leonardo França, do Conexões Criativas, e um dos curadores da mostra.
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Essa também foi uma forma do Centro de Dança do DF, reaberto neste ano, formar novos públicos. ;Era uma vontade de ter uma diversidade de público e de pessoas, de expandir e tornar mais diverso, de ampliar o entendimento da dança e do corpo, como algo mais relacionado ao contexto da cidade;, completa França.
Daniel Sinimbú, o DHOS, foi um dos selecionados. Integrante do fórum do grafite e participante do Brasília de Todas as Culturas, o brasiliense, que começou a arte no Guará, afirma que a participação na mostra foi importante: ;Tive contato com pessoas diferentes, foi muito enriquecedor. Acho que o grafite tem que estar presente em tudo, seja no museu, seja no centro de dança, seja na rua. O grafite era malvisto até um tempinho atrás. Era visto como algo marginal e agora está sendo mais visto como arte. Isso facilita, mas o desafio ainda é ser aceito;.
Carlione Ramos, a Carli Ayô, concorda. A artista, que começou na arte urbana há dois anos, também está na mostra e esteve na convocação do grafite da 508 Sul ao lado de um coletivo formado por mulheres ; Brixx foi uma delas. ;Na maioria das vezes, é visto como vandalismo, depredação. Acredito que uma política de valorização abra portas para um novo olhar sobre o grafite, significa dar espaço a uma linguagem que surge nas comunidades, nas periferias e que expressa a identidade e a cultura;, afirma.
Fórum dos grafiteiros
; No ano passado, a Secretaria de Cultura iniciou a defesa ao grafite como forma de expressão de arte e pensamento coletivo. A partir daí, começou uma série de diálogos com os integrantes do movimento e a primeira ação foi a exposição Mundez, no Museu Nacional da República.
; A mostra fez parte da comemoração dos 10 anos do museu e convocou 30 grafiteiros e grafiteiras para propor um diálogo com obras de cânones modernistas nacionais e internacionais. A exposição gerou o maior índice de visita do museu, além de ter tido um público mais diversificado no ponto de vista geográfico, racial e de gênero.
; A segunda ação envolveu novamente 30 artistas, que participaram da revitalização de alguns espaços do Parque da Cidade. E, do ano passado até hoje, foi formado um grupo de grafiteiros composto por mais de 200 artistas, o fórum dos grafiteiros do DF, que dialoga com o governo para fortalecer o movimento artístico.