Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Fernanda Montenegro tem fotobiografia lançada com 500 páginas

A diva das artes cênicas brasileiras conta os passos de uma carreira que se confunde com a história da dramaturgia brasileira

São muitos os adjetivos adequados às 500 páginas de Fernanda Montenegro ; Itinerário fotobiográfico, mas raros aqueles capazes de dar a real dimensão da importância da publicação. Uma noção real do que o livro significa pode ser obtida com uma brincadeira: experimente deixá-lo à vista em sua mesa de trabalho. Pessoas de todas as idades e formações vão olhar, abrir a capa dura, folhear um pouco e, eventualmente, pedir para ;dar uma olhadinha;.

Que Fernanda Montenegro é a história viva do teatro brasileiro, aquela para quem Nelson Rodrigues escreveu duas peças, aquela que atuou ao lado de Maria della Costa, que conviveu, trabalhou e dividiu o palco com todos os grandes nomes da cena nacional do século 20 é listar justos, porém óbvios, argumentos. Nenhum deles, no entanto, supera o fato de a atriz ter emocionado, cativado, intrigado e fisgado a atenção de tantos e tão diversos brasileiros ao longo de tantos anos.

Na tevê, no teatro ou no cinema, tanto faz, até os jovens estagiários atentos aos dramas de Demi Lovato e Taylor Swift conhecem Fernanda. Que, aliás, não nasceu Fernanda Montenegro e sim Arlete Pinheiro Esteves da Silva, na periferia do Rio de Janeiro, e chegou ao teatro sem passar pela formação acadêmica, por puro instinto. Essa informação está entre as primeiras da fotobiografia editada pelo Sesc e lançada na quarta durante a sessão de abertura da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).

É Fernanda Torres, a filha, quem conta como a mãe nunca foi deslumbrada e se transformou em um exemplo de cidadã. Não há uma ordem muito racional na divisão de capítulos do livro e sim uma organização bastante afetiva. Infância, juventude, família e amor (Fernando Torres é tema de um capítulo) vêm antes da dramaturgia, embora esta ocupe mais de 90% da publicação.

Estão ali quase todos os trabalhos feitos pela atriz, do teleteatro dirigido por Sérgio Britto no programa Grande Teatro Tupi, no qual tinha companhia de Nathalia Timberg e Ítalo Rossi, a O outro lado do paraíso, novela mais recente, o livro é uma compilação dos momentos mais importantes da vida da atriz, com o teatro em primeiro plano. Boa parte do material veio do arquivo da própria Fernanda, cuja organização ficou a cargo da editora Isabel Alexandre.

Operária do teatro

;Isso não estava organizado. Ela tinha recortes guardados, um acervo grande, mas irregular. Aí, começamos a ver a quantidade de coisas que ela tinha e que rumo a gente ia dar. Tivemos que organizar o acervo dela. E tinha lacunas, porque em alguns períodos ela não guardava, porque estava numa coisa de sobrevivência, de trabalhar, não tinha tempo. Ela diz que é uma operária do teatro. E é;, conta Isabel, que decidiu organizar o livro por décadas e dar plena liberdade à atriz na escolha das imagens. No total, foram cinco anos para a montagem do livro e todo o material foi escolhido pela própria Fernanda.

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Entre as centenas de fotografias, há também depoimentos, críticas e entrevistas publicadas em revistas e jornais, uma carta emocionada dirigida a Clarice Lispector, na qual a atriz lamenta os tempos difíceis, discursos como o realizado no Comício da Sé pelas Diretas Já e uma carta na qual recusa o cargo de ministra da Cultura, para o qual foi convidada no governo Sarney. Um texto de Caetano Veloso lembra o quanto Fernanda Montenegro é ;civilizada e civilizadora;.

O afeto guiou a equipe do Sesc na edição do livro. Segundo Isabel, foram inúmeros os momentos em que a atriz se emocionou e comoveu os editores e pesquisadores ao revisitar fotos e textos redescobrindo, inclusive, coisas das quais não se lembrava. ;No decorrer do processo, ela foi falando, lembrando, falando o que era importante. Essa seleção é a partir dela e a partir do norte de ir para o afetivo, porque era muita coisa. Sempre pode ter uma lacuna ou outra, mas o afeto tem lacunas, né?;, lembra Isabel.

;E fui aprendendo a editar quase como um biógrafo, deixando ela falar, do jeito que ela quisesse. Esse livro é principalmente sobre o teatro, o início e a evolução da televisão, e também sobre a participação dela no cinema, porque os filmes são emblemáticos.;

Danilo Miranda, diretor regional do Sesc de São Paulo, conta que o projeto do livro nasceu das ideias da própria Fernanda, mas não trata apenas dela, até porque uma história de mais de seis décadas no teatro passa, obrigatoriamente, pela história da dramaturgia brasileira. Afinal, até Nelson Rodrigues escreveu peças para Fernanda Montenegro.

;Na prática, mais do que simplesmente o relato da vida de uma pessoa é um relato de um momento importante do teatro brasileiro, da cultura brasileira, da política brasileira da década de 1940 até agora e que revela, através dessa pessoa, toda sua trajetória e suas diversas facetas e suas relações com o mundo cultural. Ela representa também o papel de alguém que pensa na cultura e no teatro, tem esse caráter que vai além da representação pura e simples do papel de atriz;, diz Miranda.

Momentos emblemáticos da história do teatro brasileiro marcam a fotobiografia. Os primeiros passos como locutora de rádio e como primeira atriz contratada da TV Tupi, a ascensão no Grupo dos Sete, dirigido por Gianni Ratto, as dezenas de novelas e filmes e, sobretudo, o teatro, do qual partiu e ao qual sempre retorna, estão contemplados nas 500 páginas do livro.

Fernanda Montenegro: itinerário fotobiográfico
De Fernanda Montenegro. Edições Sesc, 500 páginas. R$ 160

Depoimentos

;É a maior atriz do Brasil, não só pelo talento, que é absurdo, mas pela maneira de ser. Para o teatro, uma das coisas mais incríveis da Fernanda Montenegro é a perseverança. Olha quantos anos de carreira e trabalho como atriz nas principais peças do século 20. Ela em cena é uma aula;
Fernando Guimarães, que trabalhou ao lado da atriz durante a seleção de atores para uma oficina literária

;Ela simboliza toda a história do teatro brasileiro. E ela se coloca sempre, e muito. Ela nunca está à parte, ela sempre é parte;
Bidô Galvão, atriz