Quase um mês de monstruosidades nas telas. Na mostra Monstros no Cinema, com entrada franca, personagens deformados, entidades de apelo milenar e seres extravagantes tomam conta do imaginário do espectador, a partir de quinta-feira (dia 12 de julho). ;Entre os países com filmes representados na mostra, os Estados Unidos, através das produções hollywoodianas, pode ser visto como o prolífico. A Universal, por meio de produções como Drácula (1931), Frankenstein (1931), A noiva de Frankenstein (1935) e A múmia (1932);, explica Breno Alexandre Lira Gomes, curador da mostra do CCBB.
Independentemente da credibilidade de adereços e de maquiagem empregadas nas criaturas a serem vistas na telona, Monstros no Cinema traz uma outra camada interessante de leitura, bem menos visível. ;Monstros são sempre relacionados de alguma forma como metáfora do estrangeiro, de uma ameaça externa, de um perigo eminente, de uma grande mudança na sociedade;, pontua Breno. Claro que a incerteza aguça o medo, fluido, na mostra. Mas os comparativos e os parâmetros de ameaças mudam, ciclicamente, conforme a própria sociedade se transforma.
;Drácula de Bram Stoker (de 1992, feito por Francis Ford Coppola) como paralelo para a epidemia da Aids; Godzilla (1954), acima de tudo, é uma metáfora para os perigos do mau uso da ciência; e A hora do pesadelo (1986) mostra o que pode acontecer caso a sociedade faça justiça com as próprias mãos, pois Freddy Krueger só aterroriza os sonhos de suas crianças para se vingar dos pais que o julgaram e o condenaram por pedofilia. Até mesmo uma animação como Monstros S.A. (2001), à primeira vista, bem inocente, nos mostra o quanto a sociedade é dependente de uma fonte centralizada de energia e que é preciso buscar alternativas;, observa o curador da mostra.
Bastante sustentada pelos dotes visuais, a indústria dos filmes de monstro se vale do peso adotado no traçado do Expressionismo Alemão, deflagrado nos anos 1920. Com os figurinos e cenários, o desenho de produção também ajuda na identidade dos filmes selecionados para a mostra. Mesmo amparado em citações ou autorreferências, ferramentas importantes para o terror, como destaca o curador da mostra; o estofo das narrativas segue sendo o pavor produzido. Perpétuo, pelo que demonstra o mais recente vencedor do prêmio da Academia ; A forma da água (2017).
O sentimento de impotência frente ao desconhecido, presente no premiado filme de Guillermo del Toro, se alastra noutra frente destacada pela mostra: a dos alienígenas, facção muitas vezes vista por Hollywood como a representação do perigo Vermelho, sempre à espreita para uma invasão em massa na terra dos norte-americanos.
Democrática, a seleção do evento de cinema no CCBB, traz segmentos batizados de Os Alienígenas e Monstros Brasileiros, com obras de José Mojica Marins e de Rodrigo Aragão, uma revelação projetada há três anos, com Mar negro.
Anormalidades?
Rudimentares, as composições de A pequena loja dos horrores (1986), filme que imprime o toque cômico à programação, contrastam com os feitos do cultuado diretor Spike Jonze, que assina o arrebatador Onde vivem os monstros (2009). Lúdico, o filme versa sobre o combate à tristeza. Voltando à carga amedrontadora, cerne da mostra, o polêmico Monstros (clássico de 1932, de Tod Browning) garante lugar em sessão, mesmo sendo politicamente incorreto para os dias atuais ; opinião, aliás, que ainda hoje acusa divergências. O filme se valeu da figura de pessoas consideradas anormais, com caraterísticas físicas diferenciadas.
;O diretor Tod Browning foi inovador e provocador quando decidiu fazer Monstros. Hoje, talvez, o filme nem teria sido feito. O que aos olhos da sociedade atual seria uma vergonha, pura exploração do grotesco, não foi o que tornou o filme polêmico e maldito na época do lançamento. Hollywood simplesmente não queria que o mundo visse aquelas pessoas, do jeito que elas eram, o que elas representavam, até porque, o cinema era feito, em sua grande parte, por galãs e mocinhas que beiravam a perfeição;, comenta o curador.
Aberrações não tinham espaço de representatividade, à época. ;O mais louco, no caso todo, que levou até mesmo à censura, é que as aberrações não são mostradas como tais, mas sim como pessoas como outras qualquer;, conclui.
Breno Alexandre Lira Gomes, o curador da mostra do CCBB, comenta dos imperdíveis:
O monstro-bomba
;Do Japão vem aquele que talvez seja o monstro mais representativo do século 20: Godzilla ou Gojira (no original, japonês). Godzilla é fruto, em certa escala, da bomba atômica que arrasou Hiroshima e Nagasaki, uma das melhores representações do perigo atômico, que até hoje é uma ameaça mundial. E ele foi só o primeiro de muitos outros monstros gigantescos vindos do Japão, frutos muitas vezes de radiação. Godzilla, até hoje, rende nas bilheterias, porque continua sendo uma ameaça ou alerta tão atual quanto em 1954;
Criador e criatura: Tim Burton
;Tim Burton talvez seja um dos diretores surgidos nos anos de 1980 mais inventivos em atividade. Sempre cultuado, tem espectadores cativos que aguardam o olhar bem particular dele. Alguns filmes que compõem a mostra formularam o imaginário do diretor. Quem assistir a Frankenweenie (2012), por exemplo, não tem como deixar de associar com Frankenstein, A noiva de Frankenstein, O jovem Frankenstein ou até mesmo Godzilla. A lenda do Cavaleiro sem Cabeça (1999) é uma bela homenagem à literatura gótica e à Hammer Studios, que produziu Drácula ; O vampiro da noite (1958). Nem sempre, entretanto, Burton é unanimidade;
Vampiro sedutor
;Na mostra, teremos explorada a fascinante figura do vampiro, com a sedução da vida eterna e dos poderes sobrenaturais. Exibiremos os mais importantes filmes de vampiro do cinema: Drácula, de Tod Browning; Drácula ; O vampiro da noite, com Christopher Lee; e Drácula de Bram Stoker, do Coppola. Cada um deles foi produzido numa época diferente e traz interpretação distinta do mito. A história de Stoker continua sendo o fio condutor em todas, mas, com o transcorrer dos anos, o Drácula passou de um ser meramente ameaçador e assustador, para uma criatura sedutora e encantadora e não menos perigosa, é claro. Todos eles têm Nosferatu (1922), de F.W. Murnau como referência imagética, por ser indiretamente, a primeira adaptação do romance de Stoker. Mas todos somaram para a formação do imaginário popular.
Pérolas
O hospedeiro (2006) é uma produção imperdível da Coreia do Sul, que se tornou cult. É um ótimo exemplo de filmes de monstros gigantes. Há a metáfora do perigo em maltratarmos o meio ambiente, mas tem também uma mensagem da luta pela família. É do mesmo diretor de Okja, produção da Netflix que agitou Cannes. Sem pudor e muito divertido, o filme O vingador tóxico (1984) é uma espécie de Frankenstein dos anos 1980, criado por uma produtora de filmes B. O filme exprime a criativa época do cinema independente. Na trama, há atualidade, com a incessante busca que temos por saúde, boa forma e juventude eterna. A festa do monstro maluco (de Jules Bass), de 1967, é uma animação divertidíssima, que marcou a infância de muita gente. Há brincadeiras com monstros clássicos, muito antes de Hotel Transilvânia. Os pais que viram esse filme na Sessão da Tarde têm obrigação de levar os filhos para conhecer essa pérola!
Monstros no Cinema
Centro Cultural Banco do Brasil (SCES, Tr. 02, lt. 22, 3108-7600). De quinta-feira (dia 12 de julho) a 7 de agosto, com entrada franca, para 65 sessões. Classificação indicativa variável ; consulte a programação.