Paris ; Ingrid Guimarães caminha apressadamente pelos Jardins de Luxemburgo, tentando acompanhar, à distância, os passos de Bruno Garcia e uma mulher, que acabam de deixar a mesa de um café. De repente, ela é interceptada por um grupo de turistas japoneses ruidosos e, no esforço de atender aos pedidos de autógrafos e fotos dos fãs estrangeiros sem perder Bruno e sua acompanhante de vista, acaba levando consigo a câmera de um deles, que então passam a segui-la pelo parque.
A sequência é uma das muitas contribuições da atriz goiana para o roteiro de De pernas pro ar 3, novo capítulo da milionária franquia cômica iniciada em 2010, que teve várias sequências rodadas na capital francesa. O filme, que estreia nos cinemas brasileiros em dezembro, dá continuidade às aventuras da workaholic Alice Segretto, a empresária frustrada e mãe de família vivida por Ingrid, que se redescobre sexual e profissionalmente no mercado dos brinquedos eróticos.
Dirigido por Julia Rezende e novamente produzido por Mariza Leão, De pernas pro ar 3 reencontra a personagem seis anos depois da história anterior, desta vez, diante do espelho das questões levantadas pelos movimentos feministas. Uma delas é o sentimento de culpa que pesa sobre os ombros da mulher bem-sucedida, obrigada a passar horas longe dos filhos e do marido. Os dois primeiros filmes da série foram dirigidos e escritos por homens.
"Agora não dava para ter só homens escrevendo as histórias da Alice", admite Ingrid, que supervisionou o roteiro coassinado com Marcelo Saback e Renê Belmonte, durante um dos intervalos das filmagens em Paris. "Por mais que o homem consiga escrever sobre a gente, existe um universo particular, interno da mulher, que eles desconhecem. Ainda mais em se tratando de uma comédia de costume como essa, em que temos que levar em consideração também a identificação do dia a dia".
Sucesso
No novo filme, Alice percebe que o sucesso da Sexy Delícia, com lojas nos Estados Unidos, Europa e na Ásia, a afastou do marido, João (Bruno Garcia), e dos filhos, o adolescente Paulinho (Eduardo Melo) e a menina Clarinha (Duda Batista). Em crise, decide deixar os negócios nas mãos da mãe, Marion (Denise Weinber), e dedicar-se mais à família. A chegada de Leona (Samya Pascotto), namorada de Paulinho e potencial concorrente no mercado erótico, a obriga a retomar as rédeas da empresa.
Julia Rezende, que trabalhou como assistente do diretor Roberto Santucci nos dois longas-metragens anteriores, assume a responsabilidade de levar adiante uma marca que acumula mais de 8 milhões de ingressos vendidos no Brasil. Autora dos dois filmes da série cômica iniciada com Meu passado me condena: O filme (2013), estrelada por Fábio Porchat e Miá Mello, a jovem cineasta levou um tempo para sentir-se confortável à frente da franquia idealizada por Mariza Leão, sua mãe.
"Quando entrei no projeto, eles já estavam trabalhando no primeiro tratamento do roteiro. Eu dava algumas sugestões de leve, tentando respeitar o processo que já existia entre a Ingrid, a Mariza e os roteiristas. Em um determinado momento, elas vieram falar comigo: ;Vem cá, o filme é seu, bota a sua cara também; ", conta Julia.
Retomada seis anos após o lançamento do último filme da série, a franquia chega à era em que se rediscute a representação da mulher da sociedade. "Estamos vivendo um momento muito à flor da pele. Cinco anos atrás, não se questionava o uniforme de Rosa, a babá interpretada por Cristina Pereira. Hoje a gente questiona. Outras piadas envolvendo sexo não pareciam necessariamente engraçadas. Era preciso encontrar a medida entre o que a gente achava e o universo da personagem", lembra Julia.
Equilíbrio
Ingrid diz que a moral do novo filme é a busca pelo equilíbrio. "Alice está tentando voltar para casa, para ela mesma. O filme quer discutir o que a mulher fez com suas conquistas profissionais e na vida nesses últimos anos de muita luta, e como isso afetou seu ideal de felicidade", observa a atriz, que, em De pernas pro ar 3, estreia como produtora de cinema. "Para sobreviver nesse mercado, precisamos dar muita cotovelada. A gente se acostuma a ficar no estado acelerado de busca por liderança".
A ação do filme se passa entre o Rio e Paris, cidade escolhida pela protagonista para anunciar sua aposentadoria à frente da cadeia Sexy Delícia. A equipe passou uma semana na capital francesa, rodando sequências em cartões-postais da cidade. Foi preciso driblar imprevistos típicos de uma produção em locações, como uma manifestação de ferroviários nos Jardins de Luxemburgo, ou a chuva fina que cismou de cair no dia do passeio da família Segretto pelos arredores de praça Saint Michel.