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Graphic novel 'O outro lado da bola' discute homofobia no futebol

A HQ narra a história de um ídolo do futebol que se assume homossexual

Hoje é o dia internacional do orgulho LGBTQ mas, apesar de celebrar a data, o Brasil registra números não muitos satisfatórios para combater a homofobia. De acordo com dados do Grupo Gay da Bahia, o ano de 2017 registrou um aumento de 30% nos casos de LGBTfobia, o que significa que a cada 19 horas um LGBT é assassinado ou se suicida devido o preconceito. O dado torna o Brasil o campeão mundial nesse tipo de crime. Em tempos de Copa do Mundo, o lançamento de um quadrinho sobre a homofobia no esporte, faz surgir a pergunta: como o Brasil reagiria se um jogador de futebol, ídolo nacional, revelasse que é homossexual?

Essa é a principal questão trazida em O outro lado da bola, escrito por Alê Braga e Álvaro Campos. A graphic novel, ilustrada por Jean Diaz, busca falar da paixão nacional da maioria da população brasileira com uma abordagem diferente: a partir do olhar da homofobia.

"O futebol tem dois pesos e duas medidas. É uma declaração delicada de se fazer. A FIFA tem sido muito eficiente em combater o racismo, por exemplo, mas ela não tem a mesma predisposição para combater a homofobia nos estádios e isso faz pensar. É só ver a diferença de punição para atos de racismo e atos de homofobia dentro das competições esportivas e também como a mídia trata isso;, afirma Álvaro Campos em entrevista ao Correio.

Na história, Cris, o capitão de um famoso time paulista, sofre consequências negativas ao falar abertamente que é homossexual. Os colegas, patrocinadores e torcidas acabam transformando a vida de um outrora ídolo, em uma tortura infinita. "A revelação de um campeão como homossexual nesse universo heteronormativo do futebol traz uma série de dramas, muitos deles inspirados em fatos reais que alguns jornalistas esportivos falaram pra gente. Então, muitas das histórias que você vê nas nossas 200 páginas do livro aconteceram de fato e a gente adaptou para a ficção", detalhou o autor.

O outro lado da bola traz uma trama que fala de uma realidade oculta nos campos de futebol. De acordo com Álvaro, um jogador famoso assumir a verdadeira orientação sexual pode ajudar muito a combater a homofobia no Brasil. "Se você parar para pensar, em todas as principais ligas de futebol do mundo não há hoje nenhum atleta que tenha se assumido gay e, por exemplo, segundo dados, pelo menos 5% da população mundial é LGBT, ou seja, você teria, no mínimo, um punhado de atletas gays dentro das principais ligas do mundo e todos esses atletas que têm um reconhecimento mundial e seriam de grande importância dentro do combate ao preconceito e a homofobia", apontou Campos.

Segundo o autor, o futebol ainda é um esporte que se organiza em cima de xingamentos e rituais homofóbicos, o que é, de certa forma, algo embrionário e força uma resistência do esporte a abrir as portas para abraçar causas da comunidade LGBT. "Do mesmo jeito que o futebol é fundamental para criar uma certa consciência anti racista no país, já que o rosto para o estrangeiro ainda é o Pelé que em 1958 se torna o grande rosto brasileiro ganhando a Copa. Ou seja, a imagem do Pelé ajudou a aumentar a consciência da população contra o racismo. Devido a isso, a gente vê que o futebol poderia muito ajudar no combate a homofobia no Brasil e não o faz porque de alguma maneira a homofobia faz parte do que se diz como cultura do futebol", conclui Campos.

O outro lado da bola está sendo lançado fisicamente no Rio de Janeiro, mas já está disponível para venda no meio virtual.

Confira o book trailer de O outro lado da bola:

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QUATRO PERGUNTAS:

Álvaro Campos

1) Quais temas são tratados em O outro lado da bola?

A partir do momento que ele revela ser homossexual, todo o lado obscuro do futebol começa a surgir. Então temas como a violência da torcida, as relações de atletas ela, a relação com os dirigentes, porque às vezes os atletas e os torcedores são usados como curral eleitoral, a relação com a mídia, aquela coisa de abafar e tentar reconstruir a narrativa do que ele acabou por fazer, a relação com a esposa dele, ou seja, a família, são todos temas que aparecem na graphic novel.

2) Você acha que existe uma cultura que acaba fazendo com que exista mais preconceito no meio do futebol?

O que o futebol é muito eficiente em fazer é associar o esporte ao prazer imediato do torcedor, como se o esporte e o futebol fosse um momento de alívio psicológico e, em nome disso, não se pode transformá-lo numa área de debate político ou intelectual. Então, quando se define o que seria cultura de futebol fecha-se as portas para que possa haver um discurso diferente. E aí, o combate ao preconceito é um discurso diferente. Eu não diria que o futebol prolifera a homofobia, mas sim que ele tem uma postura muito resistente para combater essa prática.

3) Qual a importância de lançar um livro como esse durante a Copa do Mundo 2018?

Eu acho que falar sobre isso na Copa é muito importante, principalmente numa Copa na Rússia, cada Copa tem seu perfil e o perfil da Rússia - e o mundo está muito alerta para a Rússia - é essa legalização da homofobia no sistema legal russo. Então, isso é muito importante. Mas também usar essa crítica para que a gente possa olhar para o nosso quintal.

4) O que faz do futebol do Brasil um lugar para tanto preconceito?

O Brasil é o país que mais mata em nome do futebol, segundo um pesquisador da Universidade de Pernambuco, e também o país que mata uma pessoa da comunidade LGBT a cada 19 horas, então é um ambiente muito violento que tem aqui, mas que também não é muito distinto de outros países.

* Estagiária sob supervisão de Vinicius Nader