Diversão e Arte

Conflito fraterno guiou irmãos na direção do tenso Carnívoras

Nascidos para o cinema: os irmãos Renier demarcam parceria forte no longa em cartaz no Varilux

Nahima Maciel
postado em 19/06/2018 07:44

Yannick Renier esteve no Brasil, divulgando a participação em obras do cinema francês

Nascidos na Bélgica, os irmãos Yannick e Jérémie Renier são duas faces diferentes do cinema franco-belga contemporâneo. O primeiro é menos conhecido, embora tenha um currículo com mais de 30 longas e uma série de televisão que fez sucesso na Bélgica. O outro é rosto recorrente em filmes de François Ozon, com quem trabalhou em dois longas, inclusive O amante duplo, em cartaz no Festival Varilux. Yannick e Jérémie viveram os gêmeos mimados filhos de Isabelle Huppert em Propriedade privada (2007) e, desde então, alimentavam a ideia de voltar a entrar juntos em um set de filmagem. Carnívoras, que tem o dedo dos premiados irmãos Dardenne na produção, foi o resultado. O filme está em cartaz como parte da programação do Festival Varilux de Cinema Francês e é um trilher criado a partir da própria observação dos diretores no que diz respeito ao mundo do cinema.

O longa acompanha duas irmãs, a tímida e contida Mona (Le;la Bekhti) e a explosiva e bem-sucedida Sam (Zita Hanrot). Atrizes, elas vivem a carreira de formas diferentes. Mona sonha em atuar no mundo de Sam, enquanto esta última se encontra à beira de um colapso por se sentir incapaz de corresponder às expectativas de um diretor tirano (inspirado em Lars von Trier), ao casamento e à maternidade. As personalidades de cada uma são o motor para desenhar a tensão do filme e as consequências imprevisíveis nascidas da combinação entre um aparente controle e uma efusividade inofensiva.

Olhares

A relação entre as irmãs é quase uma fantasia, uma projeção dos meio-irmãos belgas. ;O ponto de partida foi a vontade de trabalhar juntos. Depois do filme com Isabelle Huppert, nos demos conta que essa colaboração era frutífera. E foi Jérémie quem me disse eu ;tenho vontade de dirigir, você tem vontade de escrever, vamos encontrar um jeito de fazer um projeto juntos;. Era uma ideia engraçada, porque um era mais conhecido que o outro e partimos exatamente da percepção do sucesso que as pessoas têm para chegar a essas duas irmãs;, conta Yannick.

Carnívoras traz a perspectiva de Mona que, em sua fantasia, não vê a vida como ela é e sim como, na sua opinião, deveria ter sido. ;É como o cinema. O cinema que aparece no filme não é um cinema realista, é um cinema visto por Mona, que sonha com isso e esse cineasta tirano. E nós queríamos fazer algo no campo da exploração das pulsões e dos sentimentos mais contraditórios e sombrios que podem haver dentro de cada um de nós, seja a vontade de mudar de vida, deixar tudo para trás e desaparecer, seja o sentimento de perigo que temos na família quando alguém novo aparece;, explica Yannick.

Mona é assistente da irmã, Sam, atriz conhecida e às voltas com um diretor cuja pressão e crueldade provocam uma fuga inesperada. Diante do desaparecimento repentino da irmã, que deixa para trás filmagens, filho e marido, Mona assume o comando e o papel de Sam na vida real. Até que esta última reaparece. ;É um filme que utiliza o cinema para falar de atrizes;, avisa Yannick. ;Nos perguntamos sobre essa história de rivalidade entre as atrizes e de competição e achamos que o cinema permitia um sentimento de injustiça bastante comum nessa profissão onde, sem pré-requisitos, sem ter trabalhado, alguém pode, da noite para o dia, chegar ao estrelato, enquanto alguém que estudou e trabalhou muito pode levar a vida toda para conseguir viver de sua arte. Por isso usamos o cinema como cenário, porque é um mundo que faz sonhar muita gente e inspira o desejo.;

O fato de serem irmãos também ajudou a dupla a se sentir mais segura na direção do filme. Yannick garante que teria sido muito difícil trabalhar sozinho e que a companhia de Jérémie ajudou a gerar um sentimento de confiança no que estavam fazendo. ;Acho que tivemos um espírito de grupo, de trupe, como se estivéssemos entre camaradas. Porque a direção pode ser algo muito solitário;, diz. Carnívoras é a estreia dos dois na direção, embora seus nomes frequentem as listas de elencos há algum tempo. Além de O amante duplo (François Ozon), Jérémie, 37 anos, também esteve em Saint Laurent (Bertrand Bonello). Yannick, 43, fez Canções de amor (Christophe Honoré), em 2007, e outros 21 filmes desde então. Em um dos mais recentes, vive um amigo de São Francisco de Assis em coprodução ítalo-franco-belga inédita no Brasil, na qual atua ao lado do irmão.



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