Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Maria Valéria Rezende fala sobre literatura e engajamento

Autora é uma das criadoras do Mulherio das Letras


Maria Valéria Rezende é uma espécie de combatente da literatura. Faz isso, no entanto, sem muito alarde. Assim como escolheu ser freira e passar parte da vida em salas de aula dedicada à educação de adultos de comunidades pobres e desprovidas de tudo. É um combate silencioso e persistente, mas que dá frutos. No caso da literatura, até a autora se surpreendeu com os resultados.

Maria Valéria se descobriu escritora aos 60 anos. Hoje, aos 75, ela já publicou quatro romances, três coletâneas de narrativas curtas e 10 livros de histórias infantojuvenis. Quando ganhou o Prêmio Jabuti e Livro do Ano por Quarenta dias, em 2015, já publicava há uma década. Mas como mora em João Pessoa (PB), onde cuida das freiras idosas de sua congregação, a Nossa Senhora Cônegas de Santo Agostinho, não estava no circuito privilegiado de autores das grandes editoras. E é aí que começa parte de sua luta literária.



;Descobrimos que somos um montão. É uma falácia essa coisa de que mulher não escreve. Mulher é silenciada;



Ela sempre ficou intrigada com a afirmação de que as mulheres não são discriminadas no mercado editorial. Não se convencia muito com a justificativa de que não estão muito presentes porque escrevem menos que os homens. Em 2016, durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), ela e outras escritoras resolveram se reunir para se conhecer e conversar sobre o assunto. ;E começamos a desconfiar disso de que mulher escreve menos. Na Flip, éramos muitas andando ali pela rua, participando de vários eventos paralelos, não só da Flip oficial. E aí resolvemos juntar o mulherio e conversar;, conta.

Mulherio virou substantivo e grupo, mas ainda havia uma curiosidade em saber quantas mulheres realmente faziam parte dessa cena. Para ter uma noção, alguém sugeriu a criação de um grupo nas redes sociais e Maria Valéria tomou a iniciativa: abriu, no Facebook, o Mulherio das letras. Inicialmente, havia cerca de 300 autoras. Hoje, elas já somam 6,7 mil. ;Naquelas conversas iniciais, tinha gente que dizia que éramos umas 300 escritoras. Outras diziam que dava até 400. E eu, muito otimista, dizia que eram de 500 pra cima. A gente realmente não sabia nem quantas éramos, porque a maioria é publicada por editoras pequenas locais e fica por ali mesmo;, diz a autora.

Hoje há grupos espalhados por todo o país ; em Brasília, são mais de 68 autoras ; e uma rede de ações que envolve produção de livros artesanais, projeto de recuperação de poetas mulheres e uma atenção para o que as escritoras produzem hoje no Brasil. ;Descobrimos que somos um montão. É uma falácia essa coisa de que mulher não escreve. Mulher é silenciada. A partir do próprio movimento do mulherio, muita gente desatou a fazer pesquisa e temos vários projetos que foram brotando de parcerias;, conta Maria Valéria.

Descentralização

O engajamento acabou por tomar corpo e passou a aparecer com frequência nos debates para os quais Maria Valéria é convidada. A produção literária fora do eixo Rio-São Paulo sempre é uma questão na qual insiste. ;Quando se fala em literatura brasileira, me lembro daquele poema do Carlos Drummond que diz ;o poeta municipal disputa com o poeta estadual enquanto isso o poeta federal tira ouro do nariz;;, diz. ;Ainda é assim: se você não mora em São Paulo ou no Rio, você fica desconhecido. Sou uma coisa esquisita nesse meio, porque o fato de eu ser freira cria um folclore.;



;Ainda é assim: se você não mora em São Paulo ou no Rio, você fica desconhecido. Sou uma coisa esquisita nesse meio porque o fato de eu ser freira cria um folclore;




Outra bandeira da autora é combater uma ideia que ela considera um mito. ;Tento aproveitar essa notoriedade repentina que tive para defender minhas causas. E uma das minhas causas é essa mania de dizer que brasileiro não lê. Não é verdade. Se tiver livro, brasileiro lê. Tenho um monte de experiências, projetos de leitura que provam que brasileiro lê. O que há é uma limitação enorme na distribuição de livros, e as livrarias estão fechando. Livraria de shopping não tem nada a ver com literatura. Tem a ver com mercadoria, papel, tinta;, lamenta.



Lista de livros de Maria Valéria Rezende

O voo da guará vermelha (2005)

Vasto mundo (2001-2015)

Quarenta dias (2014)

Outros cantos (2016)

Histórias nada sérias (2017)



Infantojuvenis

Ouro dentro da cabeça (2012)

Jardim de menino poeta (2012)

Vampiros e outros sustos (2013)

Uma aventura animal (2013)