Leitura é hábito e prática, mas também fantasia e diversão. Esse trapézio pode percorrer vários caminhos para ser formado. Pensando nisso, os curadores da 34; Feira Internacional do Livro de Brasília decidiram colocar a formação de leitores como foco da programação e escolheram o tema Literatura infantil: A invenção do sonho. Vamos brincar de inventar? como sugestão de que ler pode começar como uma grande brincadeira.
E aí, é preciso considerar todo tipo de mídia, da contação de histórias às redes sociais e publicações on-line que arregimentam milhares de jovens leitores em um mundo que nem sempre transborda para o livro convencional.
Na programação da feira, há duas dedicadas à literatura jovem e à internet. A primeira delas está programada para segunda-feira e reúne Luiz Humberto França, Leonardo Neto, Bárbara Morais e Clara Arreguy. A outra, no próximo sábado, vai tratar de blogs e literatura para jovens adultos com Paulo Souza, Luciano Vellasco, Marina Oliveira e Bruno Reis.
; O que importa é despertar o gosto, instigar a curiosidade, proporcionar prazer na leitura. Sempre oferecendo o livro como um aliado em sua construção de uma mente mais inteligente, esperta, capaz de entender o mundo e de buscar soluções;
Clara Arreguy
Paulo Souza, 28 anos, é estudante de engenharia civil e começou o blog Ponto para ler com a intenção de facilitar o caminho entre os leitores e os clássicos da literatura universal. ;A ideia era mostrar que a literatura não é uma coisa maçante e que tem muito conhecimento e coisas que as pessoas vivem no dia a dia;, explica. ;E, às vezes, a linguagem mais simples consegue trazer os leitores que não leriam certos livros.;
Leitura, Paulo lembra, é uma coisa introspectiva e solitária, diferente do mundo compartilhado da internet. Mas é possível unir os dois. ;A internet está aí para mostrar que você não é o único a sentir as coisas que sente quando lê;, diz Paulo, que criou também um canal no YouTube dedicado a entrevistas.
Autor de um livro de contos e com um romance pronto para ser publicado, ele lembra que há um mundo de publicações e leitores nas plataformas digitais como Wattpad e KDP, que é ignorado pelas grandes editoras, mas atrai milhares de adeptos vorazes e fiéis.
Essas redes sociais de livros são fundamentais na formação de leitores e hoje, boa parte deles passa por lá. Paulo conta que tem muito retorno dos jovens com depoimentos de que não leriam de jeito nenhum um certo cânone se não fosse a maneira como o blogueiro apresentou a história. Informação simples, ele aponta, é tudo na formação de um leitor.
Muitas possibilidades
Luciano Vellasco é blogueiro desde 2013, quando criou a Academia Literária do DF com o objetivo de fomentar a literatura e promover a ideia de que livros são essenciais para a formação das pessoas. ;Conheci editores, livreiros, agentes literários, autores e muita gente que tinha gosto pela literatura. Meu projeto faz cinco anos no mês que vem e foram anos de muito aprendizado e alegrias;, diz o blogueiro.
Ele lembra que booktubers e blogueiros literários são, antes de tudo, ávidos leitores. A intenção é compartilhar experiências pessoais com os livros com outros jovens e incentivar a circulação das obras. ;Muitas vezes, o simples fato de dizermos em uma resenha que determinado livro é bom motiva os nossos seguidores a irem até a livraria;, destaca. Para ele, é importante desmistificar a ideia de que jovem só lê ;coisas de jovens;.
É possível encontrar, nas redes, espaços especializados em clássicos, fantasia, quadrinhos, romance, poesia ou ficção, a lista de possibilidades é grande. ;Eu não gostava de ler, pelo mesmo motivo que muitos jovens: o processo de ensino das escolas empurram livros que não dialogam com o momento em que vivemos. Hoje, trabalhamos no blog para desconstruir o preconceito de que debates sobre literatura são maçantes e entediantes.;, afirma Luciano.
Para ele, o ideal é trabalhar com obras contemporâneas, que dialoguem com o mundo atual e com o mundo experimentado em cada faixa etária. Crianças e adolescentes vivem, atualmente, em um ambiente extremamente conectado e dialogar com esses ambientes a partir da criação literária é um caminho para estimular a leitura entre os jovens.
Tino Freitas, um dos grandes nomes contemporâneos da literatura para crianças, lembra que, entre as páginas, os autores oferecem aos leitores de qualquer idade a possibilidade de exercitar a criação. ;Incentivar a leitura desde a infância oferece a todos nós a possibilidade de vivermos num mundo mais justo;, destaca. Para ele, as redes sociais ajudam muito a ampliar o olhar do leitor com um grande alcance.
Tino destaca que o livro como o conhecemos hoje, após a invenção da roda, é uma das tecnologias mais antigas ainda em uso. ;Eu acredito que o ser humano é o elo mais importante para conectar leitores. Ao ver alguém que se admira, que se ama, que leia com paixão, é muito provável que se queira partilhar daquela experiência;, destaca o autor. Ele lembra que a influência se dá na partilha, na conversa em que o livro entra como um elemento importante. Um livro sempre é novo para quem o abre a primeira vez, independente da idade.
Blogs, perfis e canais literários
Nesse cenário, o crescimento de blogs, perfis e canais literários é prova do envolvimento do público jovem com os livros a partir do universo on-line. Inspirados nessa relação de proximidade, autores de diferentes idades também se lançaram às novas plataformas em busca de um diálogo com seus leitores. É o caso de Clara Arreguy, autora de mais de 10 livros que, em 2006, criou um blog literário no qual escreve resenhas e comenta grande parte de suas leituras pessoais.
Há dois anos, ela descobriu que há um universo amplo frequentado pelos jovens blogueiros e decidiu se aproximar. ;Fiz parceria com mais de 300 deles, enviando livros para serem resenhados. Foi interessante, porque a maioria absoluta deles nunca tinha lido livros nacionais, contemporâneos, realistas, com temáticas como a política brasileira e a vida urbana atual;, conta Clara.
Ela lembra que a relação entre livros e tecnologia faz parte de um universo crescente, mas a demanda por e-books ainda não suplanta a dos livros de papel. ;Acho que o caminho é investir na qualidade de conteúdo e forma. É o que proponho nos meus livros e nos da minha editora, a Outubro: livros bons, bonitos e baratos. E isso tem funcionado, independentemente da plataforma ou da tecnologia;, afirma.
Também autora, Ana Beatriz Brandão, 18 anos, é um pequeno fenômeno entre leitores jovens. Ela publicou o primeiro livro aos 14 anos e, até agora, já são quatro títulos em formato convencional. Seu A garota do cachecol vermelho (2016) está na 6; edição e já vendeu mais de 15 mil exemplares. O mais recente, A garota das sapatilhas brancas, trata de preconceito e violência em uma história sobre uma bailarina arrogante que passa por mudanças transformadoras ao conhecer um rapaz que é seu oposto.
Ana Beatriz confessa que não pensa no leitor quando escreve, mas atribui o interesse por suas histórias pela identificação com sua geração. ;Acho que a partir dos meus gostos tem gente que se identifica porque é o mesmo universo;, acredita.
Formação de leitor também se dá por identificação e quando os autores são jovens e da mesma geração que seus leitores, as projeções são inevitáveis. Ana Beatriz pode até não escrever para agradar, mas faz questão de manter o contato com os leitores nas redes sociais. ;É uma das coisas mais importantes para mim, porque escritor não existe sem leitor;, diz.
Para Barbara Morais, escritora de Brasília e autora da trilogia distópica Retomada da união, que vendeu mais de 9 mil exemplares, a formação de leitores passar também pela informalidade. Isso explica, segundo ela, o sucesso de YouTubers. ;No YouTube as pessoas falam mesmo do que elas gostam e os adolescentes prezam por isso;, garante.
34; Feira do livro de Brasília
Área externa do Pátio Brasil. Até 17 de junho, das 10h às 22h. Entrada franca.