Nahima Maciel
postado em 27/05/2018 07:30
Quando se trata de violão de sete cordas, existe um antes e um depois de Raphael Rabello. Graças à perseverança e determinação, o violonista tirou o instrumento da função tradicional de acompanhante para alçá-lo ao posto de protagonista. Só isso já garante ao músico um lugar na primeira fila da música popular brasileira, ao lado dos maiores nomes do gênero. Mas o negócio é que Rabello fez isso numa velocidade improvável e com um virtuosismo igualmente
inimaginável. Curiosamente, no entanto, havia pouco material sobre o músico disponível para pesquisa e foi depois de notar essa lacuna que o jornalista Lucas Nóbile decidiu escrever Raphael Rabello ; O violão em erupção, recém-lançado pela Editora 34.
O desenvolvimento musical de Rabello é o cerne do livro. Nóbile privilegiou a parte musical e fez a opção de só abordar a vida pessoal quando considerou ser necessário para compreender quem era o músico. Esse tempero, que ajuda a humanizar os biografados e aproximá-los do leitor, é um pouco escasso na biografia. Em compensação, de tão detalhada e precisa, a pesquisa de documentação de Nóbile permite acompanhar cada passo musical do violonista e compreender como sua obstinação foi importante para revolucionar a história do violão brasileiro na década de 1980.
Os números são impressionantes na vida do músico. Foram 19 discos, mais de 600 faixas gravadas com a nata da música brasileira ; de Radamés Gnattali a Chico Buarque ; e seis discos póstumos entre 1976, quando estreou profissionalmente, e sua morte, em 1995. ;Minha opção mesmo foi ter como norte a música de Raphael. Quando fui trazer fatos pessoais para o livro, sempre vinha à minha cabeça: esse fato é importante para mostrar quem foi o Raphael Rabello e de que maneira isso aparece na obra dele?;, explica o autor. ;Então tentei ponderar. Esse foi um desafio do livro.;
Talento
Foram 19 anos de uma carreira que teve início com uma obsessão que surpreendeu a família e se encerrou precocemente, aos 34 anos. O violonista cresceu em uma família musical na qual o avô materno dava aulas para os netos todas as tardes. Aos 7 anos, já depois da morte do avô, surpreendeu a família depois de se trancar no quarto e aprender o tango Brejeiro, de Ernesto Nazareth, no violão Di Giorgio do avô. Até então, ninguém havia notado um interesse especial do menino pelo instrumento. Mas fazia sentido para ele fazer as coisas dessa forma.
Aos 5, Raphael decidiu que faria um regime para poder usar uma botinha sanfonada que, até então, não passava por suas perninhas grossas. Pouco depois, entrou para o escotismo apenas para ganhar uma série de medalhas. Quando conseguiu, decidiu abandonar a atividade. Daí pra frente, tudo aconteceu numa velocidade incrível. Aos 13 anos, já participava de rodas de choro e se apresentava no grupo Os Carioquinhas, junto com a irmã Luciana, de 15. Antes, ele já havia participado de sua primeira gravação em um disco de Gisa Nogueira. Com os Carioquinhas, gravaria o primeiro LP, em 1977, aos 15 anos. Sete anos depois, entrava em estúdio com Radamés Gnattali para gravar Tributo a Garoto. E por aí vai.
Com o violão, Rabello não teve tempo de sentir que a missão estava cumprida. Mesmo assim, escreveu uma página importante para a história da música. ;A trajetória dele é conhecida no meio musical, mas eu queria tentar contar como se forma um gênio. Sempre tomo cuidado para utilizar essa palavra, porque ficou banalizada, mas, no caso dele, não é exagero. Existe uma história no violão brasileiro e mundial antes do Raphael Rabello e outra depois;, acredita Nóbile.
Personalidade
Além do talento musical, havia outra particularidade na personalidade do músico: não tinha amigos de sua faixa etária e gostava de se vestir como os mais velhos. Em uma das primeiras entrevistas logo após o lançamento de seu primeiro disco solo, ele explica que não teria muito o que conversar com os jovens de sua idade porque não queria falar de mulher e futebol. É como se já tivesse nascido adulto e a juventude fosse a velhice.
Mas a velhice, no caso de Raphael Rabello, veio cedo demais. Depois de descobrir ser portador do vírus do HIV, o músico entrou em um redemoinho de autodestruição que o levou à bebida, às drogas e ao afastamento da família. Não morreu pela ação do vírus e sim em consequência de uma parada cardíaca após ser sedado em uma clínica de reabilitação.
No livro, Lucas Nóbile avança um pouco sobre a maneira como o músico teria contraído o HIV. Sempre houve a suspeita de que isso tivesse acontecido em uma transfusão de sangue após um acidente de carro, mas o autor conversou com familiares e médicos que estiveram próximos a Rabello no momento e todos negam que houve uma transfusão. Nóbile não encerra o assunto, apenas deixa a dúvida no ar e lembra que os arquivos do hospital Miguel Couto, para o qual o músico foi levado em seguida ao acidente, foram destruídos.
Raphael Rabello ; O violão em erupção
De Lucas Nóbile. Editora 34, 350 páginas. R$ 64
Na capital
Brasília teve um papel especial na vida de Raphael Rabello. A cidade foi o destino da primeira viagem profissional do músico. Depois de estrear na sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro, o grupo Os carioquinhas desembarcou em Brasília para uma apresentação no Clube do Choro. Na ocasião, os integrantes ganharam uma carteirinha de sócios fundadores da instituição. A cidade já era familiar para Rabello. Seu pai, servidor público, havia sido transferido para a capital e o menino, então com 14 anos, decidiu ficar no Rio de Janeiro. As viagens a Brasília eram frequentes e há quem diga que ele chegou até a morar na cidade, mas Lucas Nóbile não conseguiu confirmar a informação. O que descobriu, mas deixou de fora do livro, é que, depois de ouvir de Reco do Bandolim que o Clube do Choro enfrentava dificuldades, Rabello e Armadinho realizaram um show cuja renda foi revertida para ajudar a manter a iniciativa. ;Ele acreditava muito na importância dos clubes de choro para a preservação do gênero. E anos depois houve a Escola de Choro Raphael Rabello como uma concretização de um sonho do próprio Raphael e um gesto de gratidão;, diz Nóbile.