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Philip Roth mudou os rumos da literatura americana

Autor escreveu romances nos quais criticava e descrevia a sociedade americana

Nahima Maciel
postado em 24/05/2018 07:30

Autor escreveu romances nos quais criticava e descrevia a sociedade americana

Polêmico, incisivo e atormentado, o escritor Philip Roth, que trouxe a literatura americana do século 20 para a contemporaneidade, morreu ontem, aos 85 anos, em Nova York, onde morava. Roth teve uma insuficiência cardíaca e sua morte foi informada pela escritora Judith Thurman, amiga do autor, e por seu agente, Andrew Wylie.

Ao lado de John Updike e Saul Bellow, Philip Roth elevou a literatura norte-americana a um novo patamar. Ácido, crítico da sociedade na qual vivia, provocador, eventualmente pornográfico e inimigo das concessões, ele escreveu mais de 30 livros entre romances, contos e ensaios. Foi com a ficção, no entanto, que ganhou o mundo.

Roth publicou o primeiro livro, Adeus, Columbus, em 1959. Vendeu, na época, 12 mil cópias, coisa rara para um escritor iniciante e praticamente desconhecido. O livro, uma coletânea de cinco contos, já trazia os temas que permeariam toda a obra de Roth, como as reflexões sobre a identidade judaica. Na época, o escritor era estudante de graduação na Universidade de Chicago e professor de inglês. No prefácio comemorativo dos 30 anos da primeira edição, ele contou que achava engraçado ser levado a sério e ser alvo de algum interesse ao escrever sobre os ;ritos e tabus de seu clã;.

Judeu nascido e crescido em Nova Jersey, o escritor fez de seu meio uma temática constante, o que rendeu, muitas vezes, olhares enviesados e acusações de antissemitismo. Roth se declarava ateu e costumava dizer que não tinha vocação para a ilusão. Publicado em 1969, O complexo de Portnoy alçou o nome do autor ao sucesso ao vender 420 mil exemplares durante as 10 semanas que seguiram à publicação. Foi seu livro mais vendido e, talvez, um dos mais pornográficos, já que o protagonista narra ao psicanalista suas longas sessões de masturbação enquanto também desfila os problemas com a mãe.

Alguns livros, como Os fatos (1988), O professor do desejo (1977) e My life as a man (1974), são declaradamente autobiográficos. Outros, como as trilogias protagonizadas por seu alter ego, Nathan Zuckerman, parecem se confundir com sua própria vida ao narrar a história de um professor e escritor judeu às voltas com questões familiares, profissionais e sexuais na trilogia Zuckerman acorrentado. Sexo, aliás, sempre foi um componente importante da obra de Roth. ;Fico feliz de escrever sobre sexo. Um tema extenso! Mas a maioria das coisas que conto em meus livros nunca aconteceram. No entanto, são necessários alguns elementos de realidade para começar a inventar;, disse em uma entrevista, anos após a publicação de O complexo de Portnoy.

Zuckerman aparece em vários livros do autor, se não como personagem, ao menos como narrador. O conjunto Pastoral americana (1997), que ganhou o Prêmio Pulitzer, Casei com um comunista (1998) e A marca humana (2000) é considerado a grande trilogia do autor sobre a América. Cômico e a meio caminho entre a realidade e a ficção, está Operação Shylock (1994), no qual o autor descobre um sósia em Israel cuja missão é levar os judeus de volta para a Europa.

Essa mistura da realidade com a invenção é uma das fronteiras mais bem exploradas pelo autor. Em 2004, ele publicou o genial Complô contra a América, no qual imagina que Roosevelt perdeu a presidência para o aviador Charles Lindbergh, simpatizante do nazismo durante a Segunda Guerra. O novo presidente coloca os Estados Unidos sob constante ameaça de Hitler. A infância do autor, já que o protagonista é um menino de nome Philip, teve forte influência na construção do livro. Em O escritor fantasma, Roth volta à mistura de ficção com realidade ao imaginar que Anne Frank sobreviveu aos nazistas e se casou com seu alter ego.

Mas Roth não gostava muito de ver sua ficção associada à própria biografia. ;Eu escrevo ficção e me dizem que é autobiografia. Escrevo autobiografia e me dizem que é ficção. Então, já que sou tão burro e eles tão inteligentes, deixo que decidam;, disse, em uma das poucas entrevistas que costumava conceder.

Apesar de ter crescido em uma família comum, Roth teve uma vida um tanto conturbada. Foi casado duas vezes, primeiro Maggie Michaelson, que morreu em um acidente de carro quase 10 anos após o casamento, e depois com a atriz Claire Bloom, com a qual viveu uma separação tumultuada. Bloom teria se sentido traída ao ler um dos livros do marido sobre um escritor adúltero.

Em 1987, o autor passou por uma operação no joelho que o obrigaria a tomar um medicamento sedativo do qual acabou dependente. Os efeitos colaterais do remédio incluíam paranoia, síndrome do pânico e perda de memória. Para se livrar da dependência, Roth se isolou em sua fazenda, em Connecticut, e contou com a ajuda de amigos. Sobre a velhice e a morte, ele escreveu em livros mais recentes, como Fantasma sai de cena (2007) e A humilhação (2009).

Cotado inúmeras vezes para o Nobel de Literatura, Philip Roth nunca subiu ao púlpito da Academia Sueca, mas está entre os escritores mais premiados dos EUA. Foi laureado mais de 19 vezes e, entre outros, ganhou duas vezes o National Book Award, três vezes o PEN/Faulkner, uma vez o Pulitzer e outra o Man Booker International, além do francês Médicis. Ele também foi o terceiro escritor americano vivo a ver sua obra incluída na Library of America, que faz compilações de obras dos maiores autores do país.

Em 2010, Philip Roth publicou seu último, Nêmesis, sobre um professor preso no dilema moral de abandonar ou não seus alunos diante de uma epidemia de poliomelite. Dois anos depois, ele anunciou, em uma entrevista, que não escreveria mais. ;Tenho 78 anos. Não sei nada sobre a América de hoje. Eu a vejo na televisão, mas não vivo mais nela;, disse. Cinco anos mais tarde, confessou ao jornal francês Libération: ;Contar histórias, isto que foi tão precioso durante toda minha existência, já não é o centro da minha vida. É estranho. Nunca imaginei que algo assim poderia acontecer;. Quando parou de escrever, Roth contratou um biógrafo, Blake Bailey, que também ficou encarregado de organizar os arquivos do autor. Segundo o jornal britânico The Guardian, ainda será necessária uma década antes que os leitores possam ter acesso a essa biografia.



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