Robson G. Rodrigues*
postado em 16/05/2018 07:30
Duas danças surgidas na segunda metade do último século ganham espaço na cena brasiliense: o voguing e o charme. Além de arte e entretenimento, são instrumentos de autoafirmação nas mãos de grupos minoritários. Há poucos anos, passaram a ganhar público e conquistam cenários mainstream com apresentações que não fogem à militância.
Nas apresentações de voguing, LGBTs se desamarram da opressão, confiantes para expressar e brincar com a própria identidade, reproduzindo movimentos que exalam ;feminilidade;. Com pouco mais de tempo se destacando em Brasília, o baile charme move no mesmo passo a diversidade, em apresentações que exaltam a música negra e a arte suburbana.
Voguing
Cada movimento é digno de um clique na dança inspirada pela famosa revista de moda norte-americana. O voguing, ou apenas vogue, surgiu na década de 1980 em clubes undergrounds nova-iorquinos frequentados majoritariamente por LGBTs negros. Eles subverteram os ideais de masculinidade e feminilidade pelos quais eram ; e continuam sendo ; inibidos de se expressar livremente.
A dança ganhou espaço no mainstream a partir dos anos 1990, quando foi apresentada por Madonna na canção Vogue e pelo premiado documentário Paris is burning (1991). De lá para cá, angariou público de várias partes do mundo, mas ainda é pouco conhecida fora de grupos LGBTs. Com empuxo do galopante movimento drag queen, o voguing conta com campeonatos profissionais em diferentes modalidades e representações na cultura pop.
;O voguing empodera LGBTs, permite que eles brinquem com a própria figura, transformando-a;, observa o estudante e performer Gabriel Macedo, 21 anos, para quem a dança tomou força há apenas meses em Brasília. Quando está se apresentado, Gabriel encarna a drag Demo Queen, ;mãe; da Kiki House of Caliandra. As alianças entre performers são chamadas de casas (do inglês, houses) e servem de famílias alternativas aos membros, unidos pela prática comum de atividades artísticas.
A Universidade de Brasília (UnB) foi, em abril, palco da segunda batalha de vogue oferecida pela House of Caliandra, a Excaliótipo ball, que premiou competidores em diversas categorias. A casa também promove oficinas da dança gratuitamente na instituição há cerca de um ano.
O brasiliense conta que teve o primeiro contato com a dança assistindo ao reality show Rupaul;s drag race e resolveu entrar de cabeça na arte performática. ;Somos o que queremos ser e lutamos para que isso seja reconhecido como algo bonito e respeitado dentro da sociedade;, avisa.
Charme
Lado a lado, dançarinos de charme chamam a atenção no baile pela sincronia e pelo visual caprichado com que interpretam sucessos do R e da black music brasileira. A sintonia convida espectadores a se arriscarem nas coreografias, imitando os passos de quem é experiente. O embalo da dança fisgou o público carioca ainda na década de 1980. Em Brasília, Petrônio Paixão era um dos poucos adeptos até 2015, conta.
Aos poucos, com seu projeto Dançar charme é bom d%2b, Petrônio, 41 anos, conquistou espaço em festivais e contribuiu para que a dança fosse notada na capital. ;O charme tem esse poder de unir pessoas de diferentes religiões, raças, gerações; essa massa levada no mesmo ritmo;, comenta ele, que também é diretor da companhia de dança Pegada Black.
A arte surgida em favelas cariocas é celebrada pelo grupo bem pertinho do centro do poder brasileiro. Em um domingo ao mês, o projeto Dançar charme é bom d promove gratuitamente bailes e oficinas de charme na Feira de Artesanato da Torre de TV de Brasília. ;Com o charme, reforçamos a cultura negra vinda da periferia brasileira;, acredita.
;Diferentemente do hip hop, que pode motivar rixas, o charme chegou para unir isso tudo, quando nós dançamos, é juntos, com mesmo passinho;, completa Petrônio, que levou o baile para a festa do último aniversário de Brasília na Esplanada.
*Estagiário sob supervisão de Severino Francisco.