Que a Netflix está oficialmente excluída da edição do famoso Festival de Cannes deste ano não é mais segredo para ninguém. Entretanto, a decisão não pode ser encarada como um simples banimento. Especialistas e profissionais do cinema apontam importantes parâmetros para o futuro desta briga em grandes premiações e para o cinema. Além disso, a empresa promove ação de desafio perante ao festival ao tentar um comprar uma das exibições já selecionadas.
[SAIBAMAIS] Para quem ainda não estar a par: a exclusão da Netflix do festival teve como principal justificativa a não veiculação das produções nas salas de cinema do país ; assim como ocorrerá com todas as plataformas de streaming com este preceito. Contudo, o pedido é muito difícil de ser atendido pela Netflix, já que a legislação francesa aponta, claramente, que os filmes só podem ser exibidos em plataforma de streaming após 36 meses da última exibição nas salas de cinema que foram distribuídos. ;A França, especificamente, é um país onde a legislação do audiovisual é muito protecionista, muito consciente, como inclusive deveria ser aqui;, lembra o cineasta brasileiro José Joffily, nome por trás de produções como Olhos azuis (2009) e Quem matou Pixote? (1996), ao Correio.
Festivais do streaming
A decisão sobre o banimento não é unanimidade entre especialistas e profissionais do cinema. Por exemplo, Santiago Dellape, cineasta e presidente da ABCV (Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo), é a favor do veto de Cannes. Mas para professora do Departamento de Audiovisual da Universidade de Brasília (UnB), Dácia Ibiapina, a exclusão não leva em conta a evolução do audiovisual. Independentemente das opiniões divergentes, ambos concordam: o circuito de premiações e o próprio cinema passam por mudanças consideráveis.
Para o futuro de Cannes sem a Netflix, Dellape acredita que uma alternativa viável pode ser uma premiação a parte para o streaming, já que este mercado pode coexistir paralelamente. ;Eu vejo que elas não podem dividir, mas acho que esses próprios canais precisam se reinventar, é possível, e mais coerente, ter um prêmio só para o streaming. O que não dá para fazer é ter uma premiação que tem dois pesos e duas medidas;, defende.
Dentro deste contexto é importante lembrar que o Festival de Cannes implantou, a partir deste ano, um evento alternativo de premiação somente de projetos para séries e filmes televisivos. O Canneseries ocorreu entre 7 e 11 de abril. A mostra não contemplou produções do streaming da Netflix, mas teve série norte-americana de canal aberto nos Estados Unidos.
Banimento francês?
Dácia, por sua vez, responde a uma preocupação comum sobre a exclusão do streaming de Cannes: tal ação não será contagiada em premiações. ;A força do streaming é muito grande, representa uma renovação, e prêmios como Oscar são muito industriais e afetados por esta força, acho que essa situação dificilmente chegará aos Estados Unidos;.
Joffily também corroborá com Dácia comentando que o protecionismo francês é muito mais viável a um banimento: ;É um dos poucos países onde de fato tem mais filmes nacionais do que norte-americanos, cerca de 60% contra 40% dos Estados Unidos. Agora o contexto norte-americano é mais baseado em financiamento. Enquanto o streaming estiver assinando os cheques, não existirá esse tipo de exclusão lá;.
Joffily também corroborá com Dácia comentando que o protecionismo francês é muito mais viável a um banimento: ;É um dos poucos países onde de fato tem mais filmes nacionais do que norte-americanos, cerca de 60% contra 40% dos Estados Unidos. Agora o contexto norte-americano é mais baseado em financiamento. Enquanto o streaming estiver assinando os cheques, não existirá esse tipo de exclusão lá;.
Dellape discorda da limitação francesa ao banimento da Netflix. Para o cineasta, a experiência das salas de cinema tem fundamental importância para a premiação de um filme, já que o processo de produção guarda singularidades entre um projeto para as projeções e para o streaming. ;Eu não duvido, que os franceses são mais rigorosos, mais puristas, é natural, mas acho que não ficará restrito na França, pode chegar ao Oscar. A plataforma influencia drasticamente as escolhas do diretor, ele sabe para onde o filme está sendo dirigido. Os canais vão precisar achar uma saída se eles quiserem ter esse tipo de prestígio dos grandes festivais;.
A afronta da Netflix
A revista norte-americana Variety divulgou na última segunda-feira (7/5), uma ação que pode ser uma verdadeira afronta por parte da empresa de streaming. De acordo, com o veículo, a Netflix tem planos de comprar o filme Everybody knows, de Asghar Farhadi, com Penélope Cruz e Javier Bardem.
A produção está selecionada como uma das exibições de abertura do festival, sendo que estreou nos cinemas na França na última quarta-feira (9). Mas mesmo que o canal de streamig decida por adquirir os direitos de exibição do filme, a vitória da Netflix é relativa, pois a produção não poderá estar disponível na França nos próximos 36 meses por conta da legislação do país, mas já poderá ser exibida em outros países.
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*Estagiário sob supervisão de Adriana Izel