Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Bazar do Retiro dos Artistas com objetos de Renato Russo gera polêmica

Entre os objetos estão roupas, CDs, LPs e móveis que pertenceram ao cantor

O que parecia ser só mais um bazar beneficente, com objetivo de arrecadar fundos para o Retiro dos Artistas, se transformou em uma grande polêmica. No dia do aniversário de Renato Russo (27/3), o filho do cantor, Giuliano Manfredini, anunciou que doou mais de 200 objetos pessoais do pai (entre roupas, CDs, LPs, livros e móveis que estavam guardados no apartamento do líder do Legião Urbana em Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro) para a instituição promover um bazar.

De início, a notícia soou positivamente entre os fãs, entretanto, para a família Manfredini, não. Em carta aberta, Carmem Teresa Manfredini, irmã de Renato Russo, falou sobre a tristeza e a indignação ao saber da notícia, que chegou por meio de um amigo da família.

"A tristeza é muito grande porque esses objetos, ou seja, todo o seu acervo cultural e artístico, foi guardado com muito esmero e carinho pelo seu pai, Renato Manfredini, minha mãe e por mim desde a sua morte em 1996. Cuidávamos de tudo, absolutamente tudo", escreveu Carmem.
Ao Correio, Carmem afirmou: "O que será vendido ali são objetos da história de vida do Renato, eles são patrimônios artísticos culturais, são itens que todos os fãs gostariam de conhecer e tirar fotos e, se de fato isso acontecer, nenhuma pessoa poderá ter esse acesso",

Para a diretora do Retiro dos Artistas, Cida Cabral, os objetos que foram doados por Giuliano não vão inteferir no legado que Renato Russo deixou, pois os objetos mais importantes encontram-se no MIS (Museu da Imagem e Som de São Paulo). "Esses objetos doados por Giuliano são itens que eram do dia a dia de Renato, como um shortinho que ele usava em casa, camisas, duas poltronas e outros utensílios simples. Nós do Retiro dos Artistas gostaríamos de frisar e deixar bem claro que, todo legado artístico e intelectual do Renato está preservado no MIS (Museu da Imagem e Som de São Paulo), e nada disso foi doado", afirmou.

A assessoria de Giuliano Manfredini foi procurada pelo Correio, mas, até o momento, não se pronunciou.

Confira a íntegra da carta de Carmem Manfredini
Desalento

"Foi com profunda tristeza, mágoa e indignação, que eu e a minha mãe, Carminha Manfredini, soubemos por um amigo que no dia do aniversário de 58 anos de meu querido e amado irmão, Renato Russo/Renato Manfredini Júnior, haveria um leilão de todos os seus pertences e objetos pessoais, autorizado pelo seu filho Giuliano Manfredini.

Este leilão irá ocorrer no dia 7 de abril (sábado) a partir das 12:00, no Retiro dos Artistas, Rio de Janeiro. A tristeza é muito grande porque esses objetos, ou seja, todo o seu acervo cultural e artístico, foi guardado com muito esmero e carinho pelo seu pai, Renato Manfredini, minha mãe e por mim desde a sua morte em 1996. Cuidávamos de tudo, absolutamente tudo: de uma frase escrita por ele em um papel, de seus diários, de suas roupas, instrumentos, livros, LPS, CDS, móveis e de tantos outros objetos daquele apartamento na Rua Nascimento e Silva. E mantivemos o apartamento com a mesma decoração,mobiliário,objetos,como se ele estivesse morando ainda ali.

Em 2004 fui curadora juntamente com Renata Azambuja, de uma exposição intitulada ;Renato Russo Manfredini Júnior;, no CCBB de Brasília, em que este acervo foi mostrado a milhares de fãs pela primeira vez. Houve também a recente exposição do MIS, em São Paulo, ;Renato Russo;. Ambas foram um sucesso de público, crítica e teve todo o apoio dos fãs, imprensa e de pessoas que gostavam e gostam do Renato.

Como pode Giuliano Manfredini, filho de Renato Russo, que deveria zelar por todo esse patrimônio, leiloar simplesmente tudo? Se desfazer do mesmo como não significasse nada? Muitos fatos que aconteceram já há alguns anos, não foram levados a público. Na verdade, minha mãe e eu, não queríamos que assuntos familiares fossem divulgados para gerar especulações envolvendo o nome do nosso querido Renato. Infelizmente, não tivemos outra opção a não ser vir a público, pedir ajuda e mostrar nossa profunda angústia e desalento.

Para se ter uma ideia, uma das atitudes de Giuliano Manfredini, foi a de trocar as fechaduras do apartamento do meu irmão no Rio de Janeiro, para que eu e a minha mãe Carminha, não tivéssemos mais acesso a nenhum pertence dele. Qual não foi a nossa surpresa, quando um dia fomos lá para passar a tarde, (para lembrarmos dele e dos ótimos momentos em família),ver e tocar as suas roupas,cadernos... e não conseguimos abrir as portas! A confirmação veio por uma amiga da família.

Minha mãe que é uma senhora de idade, ficou extremamente desolada já que, não pôde ali ter em suas mãos os pertences do seu filho.... Além disso, ele cortou todo o tipo de relação conosco. Não temos sequer ideia da razão desse afastamento. Ele não fala conosco há quase dois anos...

Vocês podem imaginar a dor da minha mãe, que o criou,n ão como um neto, mas como um filho, com todo o amor e carinho do mundo? Naturalmente, ela entrou em depressão, mas reagiu porque teve um primeiro filho, este sim, que a amou como se não houvesse amanhã.

Agora ele quer doar tudo como se nada valesse para nós? E os nossos sentimentos? E alguns objetos, que são meus também, por direito, como livros e LPS de infância, fotos? E também alguns que pertencem à minha mãe? E os fãs? Vocês que têm um carinho imensurável e amor incondicional pelo Renato e que nunca mais poderão ter a chance de ver uma outra exposição, pois todo esse espólio vai ser separado,espalhado e dilapidado.

Toda a sua memória cultural e artística será desfeita. Giuliano deveria refletir melhor sobre as consequências que esse leilão trará. As futuras gerações não verão uma bata de show sequer, nem suas calças de couro, absolutamente nada. E para o meu desespero, muitos desses pertences nunca tiveram registro fotográfico.

Fico imaginando o sofrimento que o meu pai que faleceu há 14 anos teria, e também,com certeza,o pesar que as famílias Manfredini e Oliveira sentirão.Todos os meus tios e primos,sem exceção. Ele não tem a mínima noção do que faz ou deve estar sendo muito mal aconselhado por terceiros para agir desta maneira.

Em hipótese alguma somos contra ajudar qualquer instituição.Muito pelo contrário. A minha mãe trabalha com caridade e projetos sociais há quase 45 anos em Brasília-DF.

O que questionamos aqui é o do porquê deste leilão, quando haveria outras alternativas para socorrer o Retiro dos Artistas,que abriga pessoas que merecem todo o nosso apreço, respeito e consideração. Doações, shows beneficentes, ou mesmo como o Renato Russo fez com o seu trabalho solo, ;The Stonewall Celebration Concert;(1994), em que parte dos royalties do disco foram doados à Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, campanha organizada por Herbert de Souza. Há muitas formas de se fazer o bem verdadeiramente.

Giuliano pode e deve usar o nome de Renato Russo para quaisquer ações que venham a acudir pessoas merecedoras. Inclusive parte dessa herança deixada por meu irmão Renato,que igualmente tinha uma extrema preocupação por tudo o que guardava (não jogava absolutamente nada fora), poderia ser doada para o Espaço Cultural Renato Russo, em Brasília-DF. Este espaço será reinaugurado em junho de 2018 e terá salas para oficinas e apresentações de dança, teatros, biblioteca e gibiteca. Seria um presente para a cidade e os fãs de todo o país, que poderiam ver e apreciar roupas, manuscritos, instrumentos.

Renato sempre prezou e incentivou a educação e cultura, e ficaria feliz, sem dúvida, que os seus objetos ali estivessem.
Se Giuliano tem a intenção de ser generoso leiloando essas relíquias para o Retiro dos Artistas, porque faz exatamente o oposto, destratando e ignorando a mãe dele e a tia? E os tios,primos e amigos com os quais ele não fala mais?
Ele irá privar não só a minha mãe, a mim e aos incontáveis fãs desse tesouro, mas principalmente a si próprio, que poderia aprender e evoluir individual e intelectualmente com este legado. Sem esses objetos ao nosso alcance, perdem-se todas as referências por ele deixadas. Será praticamente impossível fazermos quaisquer pesquisas mais apuradas sobre o que lia, ouvia, assistia ou pesquisava.

Como disse Carminha Manfredini: ;É assim que uma pessoa cai no esquecimento, até desaparecer e enfim, morrer...".
Obrigada a todos, em meu nome e de minha mãe, por terem lido esse desabafo, e podem acreditar que o meu coração está em mil pedaços (rimou).

Que fiquemos com Deus, com a Luz e com os Anjos! Força Sempre!!
Carmem Teresa Manfredini".

*Estagiário sob supervisão de Vinicius Nader