Nova York ; O Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) abriga, até 3 de junho, a exposição Tarsila do Amaral: Inventing modern art in Brazil. Trata-se da primeira mostra da artista nos Estados Unidos. Nascida no fim do século 19, filha de proprietários de plantações de café em Capivari (SP), coube a ela inaugurar um dos estilos mais representativos da arte brasileira. Fruto de colaboração entre o Museu de Arte Moderna (MoMA) e o Instituto de Arte de Chicago, a exposição relembra uma frase visionária de Tarsila em 1923: ;Eu quero ser a pintora do meu país;.
Com mais de 100 obras oriundas de vários acervos, dentre desenhos de variadas fases, cadernos pessoais, fotografias, documentos históricos e pinturas, a mostra corrobora com as aspirações da artista. É motivo de orgulho que a exposição esteja instalada em uma galeria logo ao lado de onde se encontra o famoso quadro Gold Marilyn Monroe, de Andy Warhol, um verdadeiro ícone americano da cena artística de Nova York no século 20.
O visitante tem a oportunidade de conhecer não só o extenso e complexo trabalho de Tarsila, mas também a biografia da artista, e pode compreender por que seu trabalho foi impactante para o modernismo brasileiro. Com muito esmero, a exposição conta a trajetória de Tarsila desde seus estudos de escultura, piano e pintura até sua mudança para Paris, em 1920, onde estudou na Academia Julian, renomada instituição que serviu como polo para vários talentos internacionais, como Henri Matisse.
Tarsila conviveu com figuras como Fernand Léger e Pablo Picasso, foi iniciada no cubismo (corrente artística de raiz europeia conhecida pelo uso de formas geométricas para retratar a natureza) e, ao regressar para o Brasil, assimilou ideias modernistas. Mais tarde, coube a ela criar um estilo próprio,que teve como marco o Abaporu, inspiração para o Manifesto Antropófago e que também integra a exposição do MoMA.
O processo de ;digestão simbólica; ou de um ;canibalismo artístico; das influências externas é, aliás, evidenciado pelo Abaporu, que pertence ao acervo do Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (Malba). O quadro, de 1928, foi uma homenagem ao seu então marido, o poeta Oswald de Andrade, e retrata uma figura humana alongada e isolada próxima a um cacto e com o sol ao fundo.
Outros trabalhos presentes permitem conhecer o estilo da artista, caracterizado por paisagens vibrantes, sobretudo tropicais, representações humanas simbólicas e traços marcantes com uma frequente preocupação com a geometria e o alinhamento.
A curadoria cuidadosa permite acessar em um só lugar obras pertencentes a diversas coleções do Brasil e do mundo, o que evidencia a importância e abrangência do trabalho da artista. Um notável exemplo é Calmaria II (1929), do acervo artístico-cultural do Palácio do Governo de São Paulo, que retrata um experimento único e demonstra a amplitude da produção de Tarsila. A obra, que consiste em figuras geométricas em uma superfície líquida, alude diretamente ao estado de espírito do título do quadro. A Cuca (1924), pertencente ao Centro de Artes Plásticas de Paris, é uma das inúmeras obras que atesta o uso do folclore brasileiro como inspiração, tema caro à artista.
Está presente também uma série de gravuras, documentos sobre a Semana de Arte Moderna de São Paulo (1922), fotos e um diário de viagem que permite vislumbrar o caráter cosmopolita e ao mesmo tempo conectado às origens do pensamento e da produção de Tarsila.
É curioso presenciar visitantes do MoMA tentando ;colar; suas imagens virtualmente por meio do uso de aplicativos aos variados tipos presentes no quadro Operários (1933). Produzida após a crise de 1929, em uma fase de maior engajamento social de Tarsila, a obra é um marco da atemporalidade de uma das grandes artistas do século 20.
Redescoberta do Brasil
A exposição realizada no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) é a primeira inteiramente dedicada a Tarsila do Amaral nos Estados Unidos. Com curadoria do venezuelano Luiz Pérez-Oramas, que já esteve à frente da Bienal do Mercosul, e das americanas Stephanie d;Alessandro e Karen Grimson, do próprio MoMA, a exposição demonstra um interesse recorrente da instituição pelas vanguardas brasileiras. Já ganharam exposição no MoMA a neoconcretista Lygia Clark e a arquitetura modernista de Oscar Niemeyer.
Tarsila estudou na França, conheceu de perto os protagonistas das vanguardas europeias, frequentou os ateliês de Fernand Léger e André Lothe e, deste último, foi aluna. Dos modernos de lá, trouxe algumas das ideias que a nortearam para construir o que acreditava ser uma arte moderna brasileira. Foi aqui, em solo brasileiro, que ela colocou em prática o que viria a ser uma das produções mais significativas do modernismo brasileiro.
A exuberância amazônica e tropical e os mitos brasileiros faziam parte de seu repertório da fase pau-brasil. Foi um momento em que a artista redescobriu o país, após voltar da Europa, durante uma viagem ao lado do poeta suíço Blaise Cendrars e dos modernistas brasileiros.
Mais tarde, Tarsila realizaria uma viagem à então União Soviética (URSS), de onde voltaria com a cabeça cheia de urgências que a fariam mergulhar na crítica social. O olhar questionador para um país ainda um tanto rural, em vias de urbanização e industrialização, especialmente na região de São Paulo, se fez notar em quadros como Operários e Segunda classe. A artista chegou, inclusive, a realizar exposição em Moscou e a participar de reuniões do Partido Comunista.
Os anos 1920 e 1930 viram o auge da produção da artista, que na década seguinte passaria a copiar o próprio estilo. Tarsila do Amaral foi símbolo do modernismo brasileiro, mas nunca chegou a participar da Semana de Arte Moderna de 1922. Foi Anita Malfati a estrela da pintura apresentada durante o evento capitaneado por Mario de Andrade e que ocupou o Teatro Municipal de São Paulo. Tarsila, na verdade, só viria a expor no Brasil pela primeira vez em 1929, um ano fatídico para sua família, que perdeu tudo após a crise que derrubou a bolsa de Nova York.