Ricardo Daehn
postado em 14/03/2018 07:00
O primeiro e único encontro foi rápido: nos anos de 1980, durante o Festival de Música Contemporânea, na sala Cecília Meirelles (RJ), o ex-estudante de contrabaixo acústico John Howard Szerman topou com uma das maiores personalidades da música clássica brasileira, o maestro Claudio Santoro. Ao lado da esposa, que ia prestigiar a apresentação de um primo, John foi recepcionado pelo maestro que, ao saber de sua admiração, aconselhou Howard a ouvir mais as peças que compôs. Com a produção do documentário Santoro ; O homem e sua música, Szerman se aprimorou no contato com os feitos do músico que, em 1962, foi recrutado para a criação do Departamento de Música da Universidade de Brasília.
;Realmente, foi sempre uma descoberta ouvir composições do Claudio, sempre tão versátil, mas tão presente, em cada peça criada. Ele experimentou de tudo: ópera, sinfonias, música eletroacústica, enveredou pelo nacionalismo, pela música dodecafônica e se arriscou com registros estocásticos, música abstrata e eletrônica;, avalia o cineasta John Howard Szerman. O documentário de Howard, há dois anos, faturou, no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, troféus atribuídos pela Câmara Legislativa nas categorias melhor filme, direção e trilha sonora.
Mobilizar um resgate da imagem do maestro amazonense foi um ponto de partida para o filme. Viúva de Claudio, Gis;le Santoro se queixava para John Howard do rareamento nas requisições para que as peças de Claudio fossem tocadas. Com o filme pronto, o diretor buscou o ;jogo de cintura; para colocar em cartaz, tornado ele mesmo distribuidor (junto à Ancine). Oito cidades simultaneamente já exibem o filme.
Mesmo com a competição dura dos ;filmes do Oscar; atualmente em cartaz, a repercussão tem sido positiva. ;O circuito ideal do filme será a televisão, as plataformas on demand. Mas, fiz questão de possibilitar ao público o acesso à força do som das músicas do Claudio Santoro. O som é muito importante, e no cinema, ele vem mixado com a potência do Dolby 5.1;, observa o diretor.
Exibir o filme no Amazonas tem sido um objetivo, já que Santoro era manauara e com seu nome foram batizados liceu de artes, sala e auditórios. Outra maneira de revigorar o nome do músico está em planejamento junto ao Ministério da Cultura, uma vez que o centenário de nascimento será em 2019. ;Entre muitas outras coisas, pensamos no lançamento de caixas de CDs e DVDs, até com aproveitamento de material extra do filme. Cada sinfonia gravada para o filme tem 40 minutos, e, com a edição, usamos, no máximo, três minutos de cada obra. A técnica de captação de som foi extrema: usamos o sistema Deca Tree, que traz limpidez para o som, pela disposição e alcance dos microfones;, explica o diretor.
Entre as curiosidades expressas no documentário está o depoimento de um dos filhos de Santoro, o DJ Raffa, que lembra da capacidade múltipla do pai que não escrevia linearmente na pauta, na horizontal. A opção era a escrita e a criação de músicas ;na vertical;. Raffa conta que Claudio atendia ao telefone, assistia tevê e criava, tudo ao mesmo tempo.
Muitas músicas de Santoro, que produziu 14 sinfonias, estão no filme, executadas pela Orquestra Sinfônica Brasileira, pela Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional e pelas filarmônicas Amazonas e de Minas Gerais. Preferida por Claudio Santoro, a Orquestra da Rádio Berlim entra na fita, por meio de material de arquivo, cedido por profissionais argentinos. Em pauta, executam a sinfonia Brasília.
Santoro ; O homem e sua música discorre ainda sobre o movimento Música Viva, trata dos vinte anos em que Santoro ficou sem criar uma sinfonia, revela o spalla Santoro, já nos anos 1940, integrado à inaugural Orquestra Sinfônica Brasileira, e reitera a comparação feita por John Howard Szewman de Santoro com Igor Stravinsky. ;Ele trazia autenticidade incomparável. Trouxe de músicas populares ao trânsito entre clássico e vanguarda. Inquieto, versátil, dado ao experimental, Santoro tocava até no Copacabana Palace, em meio à jornada intensa. Passou um período dormindo duas, três horas ao dia, em favor das criações;, esclarece o diretor.
Duas perguntas / John Howard Szerman, diretor
Professor, compositor, maestro ; nessas tantas áreas, em qual delas Cláudio Santoro mais impressiona?
Como músico, ele foi violinista ao acaso, presenteado aos 11 anos por um tio que lhe deu o instrumento. De pronto, ele pegou o violino e tocou Beethoven. Santoro impressiona ainda pela obra diferenciada. Nas 15 obras que ele compôs para o cinema, todas elogiadas, independentemente da variedade de técnicas e estilos; nas peças, a presença dele é sentida como uma digital de dedo, em 600 obras. Em Poemas de amor (com Vinicius de Moraes), a modulação da harmonia é inconfundível.
O filme foi dos seus maiores desafios, entre mais de 40 experiências com audiovisual?
Não busquei desafios maiores. Queria tão somente apresentá-lo e contribuir para o resgate e a redescoberta dele. Claudio teve problemas financeiros, não pôde tocar, muitas vezes, por pressões de duas ditaduras! Acompanhei as quatro orquestras que integram o filme e, em cada concerto, elas deixavam o público magnetizado com Santoro. Há uma força de comunicação nele que resulta em público sempre mexido, emocionalmente.