Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Projetos de artes cênicas entram nas escolas e encantam os alunos

A vivência cênica aparece como ponto de partida para que crianças e adolescentes experimentem a criação artística de maneira mais coletiva, lúdica e criativa


Impulsionados pela vontade de compartilhar a criação artística em espaços de aprendizado, grupos de Brasília se reúnem para levar projetos de arte e educação às escolas. Além do desejo de formar um público mais diverso e consciente entre os teatros do Distrito Federal, a ideia é fomentar um ambiente mais participativo e convidativo nas casas de cultura. A vivência cênica aparece como ponto de partida para que crianças e adolescentes experimentem a criação artística de maneira mais coletiva, lúdica e criativa.

As ações se dividem em diferentes tipos de trabalho, como montagem de espetáculos com alunos, estudo literário dos textos, pesquisa de temas atuais que envolvem as narrativas, mediação das histórias e apresentações. No projeto Mediato ; Diálogo com espectadores, por exemplo, a ideia é trabalhar com foco na formação de público. Ao longo de uma semana, professores e estudantes são envolvidos nas mediações antes e depois de assistir a um espetáculo teatral, com transporte e ingressos gratuitos. A ideia é sensibilizar os espectadores antes do contato com a obra e provocar um desdobramento poético, reflexivo e criativo depois.

;Gosto de dizer que a mediação é uma espécie de educação estética, de educação dos sentidos. Logo, não exercitamos o sensível, e com ele o senso crítico, apenas para ver arte; exercitamos para ver o mundo;, destaca Arlene von Sohsten, coordenadora do projeto. Para ela, esse tipo de trabalho possibilita à criança encontro, desde cedo, diferentes maneiras de enxergar e experimentar o mundo. Além disso, os diálogos e reflexões criados a partir do palco proporcionam que cada aluno conheça melhor a saída mesmo através do outro, da obra e do artista.

;Recepção teatral é a minha paixão como pesquisadora. Hoje, muitos pesquisadores e artistas questionam-se quanto ao esvaziamento das salas de espetáculo;, lembra a produtora. Araci acredita que o projeto dialoga com essa preocupação e direciona todas as suas ações para adolescentes e jovens que não são frequentadores de espaços de arte.

Essa formação é trabalhada para além da gratuidade de ingressos, possibilitando que o espectador tenha prazer em debates relacionados à criação e, quem sabe, o desejo por novas experiências a partir do teatro. O Mediato já passou por escolas públicas do Gama, São Sebastião, Ceilândia, Riacho Fundo, entre outras regiões. ;Minha experiência como artista começou no ensino médio em uma escola pública do Gama (a mesma que está recebendo o projeto agora) e o que me fez escolher esta área como profissão foi um projeto de teatro que houve na escola. Por isso, acredito no poder transformador da educação informal, sobretudo projetos de teatro;, destaca.

Teoria e prática

A partir de uma abordagem diferente, o projeto Vidas Secas trabalha com a montagem da obra de Graciliano Ramos com participação dos próprios alunos em uma escola de Planaltina. A ideia é estabelecer a conexão do teatro com a literatura e refletir, através da obra, sobre temas comuns ao cotidiano atual, como fome, miséria e relações de poder. ;Isso faz com que os alunos compreendam a obra não só na parte literária, mas também na social. Enquanto isso, a prática teatral permite que eles desenvolvam disciplina e senso crítico;, destaca Júnior Ribeiro, diretor do projeto.

Para ele, quando uma montagem profissional adentra a escola, a perspectiva do aluno em relação a espetáculos teatrais é alterada. O aluno tem contato com todas as demandas executadas dentro e fora de cena, e aprende a valorizar cada etapa do trabalho. Eles aprendem sobre direção, atuação, sonoplastia, figurino, maquiagem. A presença no palco ainda colabora com a valorização pessoal de cada um.

;Cada aluno conhecerá o espetáculo desde o seu roteiro até o produto final, e serão protagonistas em cada área de atuação;, conta Júnior. Assim, eles valorizam a sua própria produção e aprendem a valorizar produções externas ao ambiente escolar. Os alunos se dividem entre os que cantam, dançam, atuam, operam luz, som, desenham cenários e figurinos, maquiam e escrevem.

O trabalho é essencial e o diretor conta que os alunos dessa escola, não têm o costume de frequentar teatros e assistir a espetáculos. A ausência ocorre pela distância da periferia ao centro, onde estão localizados os teatros, e onde há maior circulação de espetáculos culturais.

;Essas experiências podem incentivar os estudantes a seguir por outros caminhos. O protagonismo juvenil é a chave para que espíritos de liderança surjam dentro do ambiente escolar e alcancem outros espaços;, destaca. Para ele, a falta de vivência artística no ambiente escolar nos coloca num lugar de comodismo, gerando a falta de interesse pelos espaços teatrais.

Diversidade criativa

Enquanto isso, o Pulsada Popular investe nas danças populares para trabalhar expressão popular e a importância das tradições com alunos de Samambaia Norte. Entram em cena frevo, maracatu, coco, ciranda, xaxado, bumba meu boi e cavalo marinho, além de criação de adereços. A ideia é trabalhar de maneira conjunta a interpretação teatral, o ritmo e a musicalidade dos adolescentes, colaborando com o fortalecimento das relações sociais.

;Muitos alunos têm uma ideia de distanciamento em relação à arte, como se não fosse algo acessível. Tentamos trabalhar com o cotidiano para mostrar que esse espaço também é deles;, destaca Alan Mariano, um dos criadores do projeto. Alan lembra que muitos dos alunos nunca assistiram a nenhum espetáculo, tampouco conhecem as expressões culturais brasileiras. É nesse ponto que o trabalho nas escolas ganha ainda mais força.

O trabalho de arte-educação nas escolas cria um espaço importante de reflexão e fortalecimento de novas ideias. Alunos, artistas e professores compartilham experiências, entendem melhor o cotidiano e suas relações sociais. Os projetos se destacam ao mostrar a esses jovens que os espaços culturais estão de portas abertas para a ocupação. Uma cidade viva permite que seus habitantes se valorizem a partir de sua própria produção criativa.

Três perguntas/ Arlene von Sohsten, coordenadora de projetos de arte-educação
Qual a importância de levar o teatro e as artes cênicas para as escolas, seja em oficinas, apresentações seja em cursos?
Pensar em mediação é pensar em educação dos sentidos para a vida, é instigar o educando a vislumbrar a multiplicidade dos modos de leitura das coisas do mundo. Além disso, o contato com manifestações artísticas e a reflexão a partir delas é uma forma privilegiada para se conhecer diferentes visões de mundo. Vale ressaltar ainda que em um dia (às quartas-feiras) levamos cerca de 400 estudantes a um espaço maravilhoso, que neste ano é o Teatro Sesc Paulo Gracindo no Gama, espaço este que é pouco ou nada utilizado pela comunidade, mesmo estando sempre aberto para recebê-los. Acho que esses estudantes tem a faca e o queijo, só não descobriram ainda a fome. Que, neste caso, seria o desejo de ir ao teatro, de descobrir que esse espaço está tão perto deles e de portas abertas.

Essa participação em escolas pode colaborar para a formação de um público que frequente o teatro e outras expressões artísticas?
Com certeza, esse é um dos objetivos do projeto e acredito que estamos caminhando nessa direção. Em vários países a formação de público é algo intrínseco ao processo de educação formal. As escolas têm efetiva parceria com os centros culturais que oferecem formação para professores, espetáculos durante todo o ano, transporte, programa educativo, dentre outras coisas. Assim, as instituições de ensino já compreendem o contato com obras de arte e a educação estética como parte fundamental do currículo escolar. Há muitas pesquisas hoje apontando para os benefícios (que extrapolam o âmbito artístico) desse tipo de iniciativa. Trata-se de uma política pública.

Os alunos têm costume de ir ao teatro, já assistiram a muitos espetáculos ou normalmente é um público que não tem essa vivência?
Uma das coisas mais emocionantes é quando perguntamos quem está ali, no teatro, pela primeira vez. Quase toda a plateia levanta a mão. Uma plateia de aproximadamente 200 estudantes. Além de gratificante, eventos como esse nos levaram a refletir sobre a resposta para duas grandes questões que afligem profissionais da arte e da educação. Durante a graduação escutei várias vezes: ;Por que os teatros estão vazios, onde está o público?; E quando entrei na rede pública de ensino, passei me perguntar ;por que estudantes (sobretudo de escolas públicas das regiões mais distantes do Plano Piloto) não têm acesso a espetáculos de teatro?; A resposta, ou melhor, uma possível ponte, está em projetos de formação de plateia que trabalham a curto e longo prazos.