Adriana Izel
postado em 21/02/2018 07:30
Cinquenta e quatro por cento da população brasileira é composta por pessoas negras. As mulheres representam 48,5% da sociedade. Esses são dados do IBGE. No entanto, mesmo assim, a representação dessas parcelas em diversos âmbitos é extremamente menor. O cinema é um deles. Nos filmes brasileiros de 2016, as mulheres representaram 40% do elenco, já os negros, apenas 13,3%. Em 75,3% dos longas nacionais, os negros são, no máximo, 20% do elenco.
Os números são da pesquisa Diversidade de gênero e raça nos lançamentos brasileiros de 2016, divulgada pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) neste ano. O estudo expõe as desigualdades que ainda existem dentro do cenário audiovisual brasileiro. A instituição analisou 142 filmes nacionais que chegaram ao circuito comercial há dois anos.
O estudo aponta poucas novidades. Os homens brancos permanecem como aqueles com mais espaço no cenário. Eles são maioria entre os diretores (75,4%), produtores (59,9%) e também nos elencos. Enquanto as mulheres negras ficam de fora de diversas categorias. Elas não aparecem nem como diretoras, nem como roteiristas. Só figuram a lista de produção-executiva, ao lado de mulheres brancas ou equipes mistas equivalendo aos percentuais de 1% e 3%, respectivamente.
A pesquisa também mostra que a presença de um diretor ou roteirista negro é uma das maiores chances para que a produção conte com pessoas negras. ;Quando o diretor de um filme é negro, a chance de o roteirista também ser negro aumenta em 43,1%. Quando o diretor de um filme é negro, a chance de haver mais um ator ou atriz negros no elenco aumenta em 65,8%. Quando o roteirista de um filme é negro, a chance de haver mais um ator ou atriz negros no elenco aumenta em 52,5%;. É o que diz o estudo.
Falta espaço
;Acho que é importante deixar claro que isso acontece, de fato, no circuito comercial. É realmente o lugar em que a distribuição é concentrada em poucas mãos e em empresas que têm um monopólio muito grande. É importante entender quem controla essas produções. Quando a gente pensa que diretores negros estão produzindo trabalhos desde 1970, mas nunca tiveram uma oportunidade de estar no circuito comercial é que vemos o quão estrutural é isso;, analisa Bruno Victor, cineasta brasiliense que lançou no ano passado no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro o documentário Afronte, que retrata a realidade periférica, negra e homossexual no Distrito Federal.
Para ele, a menor presença dos negros não tem a ver com quantidade. ;Nós temos a Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (APAN), que faz um mapeamento. Existe, sim, uma quantidade grande de profissionais negros, o que não existe é uma oportunidade do audiovisual comercial. Isso nos leva a pensar: Quem faz os festivais, quem está na curadoria? Existem profissionais negros nessas posições? Existem negros nos cargos de distribuição do cinema?;, questiona.
Neste ano, o Ministério da Cultura, em parceria com a Ancine e a Secretaria de Audiovisual, lançou 11 editais que prometem valorizar produções de mulheres, negros e jovens, como forma de incentivar a cadeia produtiva brasileira. ;Acho que realmente são alternativas que estão sendo criadas e só vão dar resultados daqui a algum tempo, depois de serem implementados e continuarem. O audiovisual sempre foi uma atividade elitista, só quem tinha dinheiro conseguia algum tipo de acesso. Hoje, a gente entende que é muito importante dar espaço para a periferia, negros e mulheres. A gente acompanha um cinema nacional que é um ponto de vista branco, heteronormativo e machista;, completa.
Bruno Victor compara o cinema brasileiro com o internacional, que tem tido uma maior abertura para as minorias. ;Ver uma superprodução como Pantera Negra é muito importante, não só por ter um elenco negro, mas porser de um diretor negro. Isso é muito simbólico. Que seja o primeiro de vários e que o Brasil também veja e traga esse movimento para cá. Não temos nenhuma produção de grande orçamento que tenha mostrado os negros, a não ser Cidade de Deus, que é um tipo de produção que não favorece a população;, analisa. Um dos filmes de 2016 com negros no elenco foi a obra Mundo cão, que tem Lazáro Ramos entre os protagonistas.
Direção
75,4%
homens brancos
19,7%
mulheres brancas
2,1%
homens negros
0%
mulheres negras
Roteiro
59,9%
homens brancos
16,9%
mulheres e homens brancos
16,2%
mulheres brancas
3,5%
homens brancos e negros
2,1%
homens negros
0%
mulheres negras
Fonte: Ancine
A importância da representatividade
Na semana passada, a Marvel lançou o longa-metragem Pantera Negra, que faz parte dos filmes do universo cinematográfico dos super-heróis da empresa. A produção acompanha T;Challa (Chadwick Boseman), o príncipe de Wakanda, que havia sido apresentado em Capitão América: Guerra civil (2016). O longa-metragem tem como principal objetivo se aprofundar na história do guerreiro e também do reino de Wakanda, um país fictício no continente africano.
Desde o lançamento, na quinta-feira passada, Pantera Negra se tornou um dos assuntos do momento. Na primeira semana, o filme bateu recordes nos Estados Unidos, se tornando a quinta maior bilheteria de estreia de todos os tempos no país, e chamou a atenção para um tema bastante discutido na atualidade: a representatividade.
Tanto na telona, com um elenco majoritariamente negro composto por nomes como Boseman, Michael B. Jordan (Erik Killmonger), Lupita Nyong;o (Nakia), Danai Gurira (Okoye), Angela Bassett (Ramonda) e Sterling K. Brown (N;Jobu), quanto por trás dela: o filme é dirigido por Ryan Coogler e tem designer de produção de Hannah Beachler (envolvida no longa Moonlight: Sob a luz do luar e no disco empoderado de Beyoncé, Lemonade), todos negros. Além disso, o filme traz representatividade também para diversos outros aspectos da produção, mostrando a cultura africana, a força dos negros e das mulheres e ainda o conceito de afrofuturismo (movimento estético, cultural e político que unem ficção científica e mitologia africana com abuso de tecnologia).