Nahima Maciel
postado em 21/02/2018 07:00
O 39; Curso Internacional de Verão da Escola de Música de Brasília (Civebra-EMB) teve início esta semana em uma versão mais enxuta em relação a edições anteriores e menos convidados internacionais. Desde o ano passado, a direção da escola decidiu incluir o curso como parte da programação da semana pedagógica, ao contrário do que acontecia antes de 2016, quando o evento era realizado em janeiro e reunia dezenas de professores de todo o Brasil e do exterior, e centenas de alunos de outros estados.
Este ano, o montante disponibilizado pela secretaria de educação por meio do Plano de Descentralização Administrativa e Financeira (PDAF) foi de R$ 1,5 milhão, quase R$ 200 mil a menos que em 2017. ;Mas eu não queria deixar de fazer o curso por causa de R$ 100 mil;, explica Edilene Maria Muniz de Abreu, que assumiu a direção da EMB em abril de 2016.
Prioridades
A lista de convidados inclui 10 professores, sendo apenas um estrangeiro, além do corpo docente regular da escola. No total, são 3.280 inscritos, sendo que boa parte é de alunos regulares da própria EMB, e não de fora. O secretário de Educação, Júlio Gregório, admite que o curso ficou muito mais simples, mas aponta que hoje é impossível destinar valores como R$ 15 milhões a esse tipo de evento. ;Com isso construímos cinco creches;, assegura. ;Nada impede que se faça uma avaliação, mas uma coisa é clara, não se trata de um festival de música e sim de um curso de verão de uma escola que, se feito em janeiro, tem que pagar hora extra para os professores.;
A mudança do período em que o Civebra é realizado e a drástica redução no orçamento foram uma imposição da secretaria de Educação, que assumiu a realização do evento em 2011, durante a gestão do então governador Agnelo Queiroz (PT-DF). Foi uma época em que muito dinheiro era revertido para o curso, mas praticamente nada ficava para a escola.
Durante as mais de duas semanas de aulas, em janeiro, alugava-se os melhores equipamentos e instrumentos. Grandes nomes da música nacional e internacional integravam a lista de professores convidados e os alunos que vinham de fora contavam com hospedagem e alimentação gratuitas. Gente como o guitarrista Toninho Horta, os bateristas Carlos Bala e Paulo Braga, os saxofonistas Leo Gandelman e Carlos Malta e o violonista Guinga, além dos pianistas André Mehmari e Maria Thereza Madeira, passaram pela EMB para dar aulas durante o curso.
Desvantagens
Para os professores, há pontos fortes e fracos na mudança do Civebra nos dois últimos anos. ;A gente não optou por esse modelo, isso foi imposto. Estamos tentando fazer o melhor para deixar um legado para a escola;, diz o contrabaixista Oswaldo Amorim. ;O curso chegou a montantes altíssimos, mas nada ficava para a escola. Se a gente vê a escola hoje e o que era há um ano, melhorou demais, a gente investiu em infra. Mas é isso que a gente quer para o curso? Não. Mas é uma situação emergencial.;
Segundo Amorim, além da recuperação dos dois teatros da escola, que foram reformados, houve investimento na manutenção de instrumentos como compra de cordas e afinação. Para ele, no entanto, é preciso voltar ao modelo antigo, quando o curso era realizado durante o mês de janeiro e administrado pela própria escola, como nos anos 1990. ;Na época que era feito pela escola, funcionava muito bem. Quando foi para a secretaria de Educação, começou a descaracterizar;, lamenta.
O violinista Rochael Alcântara, professor da EMB há 21 anos, acredita que o novo modelo do Civebra, realizado durante as aulas regulares da instituição, traz mais problemas do que benefícios. ;Não se pode fazer duas coisas ao mesmo tempo, no mesmo espaço. Os dois ficam prejudicados, tanto as aulas quanto o curso. Fica uma confusão, acho que é uma trapalhada. Isso não é curso de verão, fica atropelando o curso regular;, diz. Em relação às melhorias de infraestrutura, ele reclama que a comunidade docente não é consultada e que não há compra de novos instrumentos.
Maestro se sentiu desrespeitado
O 39; Civebra teve início com uma polêmica. Na sexta-feira, o maestro paulistano Roberto Tibiriçá, um dos 10 professores convidados para o curso, voltou para São Paulo depois de se sentir desrespeitado pela direção da EMB. Acostumado a reger as maiores orquestras do país, como a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), e ocupante de uma cadeira na Academia Brasileira de Música, Tibiriçá está no rol dos maestros mais importantes do país.
Ao chegar a Brasília, na última sexta, ele foi levado ao hotel vencedor da licitação do Civebra para a hospedagem dos convidados. Segundo o maestro, não havia condições de permanecer no local por causa da higiene deficiente das instalações. Como não recebeu atenção da direção da EMB ao reclamar sobre as condições do hotel e depois de ganhar um upgrade para um quarto que, segundo ele, também estava em condições ruins, o maestro se sentiu humilhado e decidiu voltar para São Paulo.
Tibiriçá receberia um cachê de R$ 15 mil para 20 dias de aulas, mesmo valor destinado a todos os convidados. ;Aceitei condições extremamente abaixo do que costumo receber, o que me ofereceram é o que ganho para fazer uma apresentação. Cancelei compromissos em São Paulo para poder atender a esse clamor;, diz o maestro, que reclama ter recebido apenas uma carta-convite da direção da escola e nenhum outro tipo de comunicação. ;Se você convidar um reitor de Harvard, não vai colocar em um hotel como esse. Por que nós, músicos, somos jogados em hotéis assim?;.
A diretora da EMB explica que as condições de hospedagem foram as mesmas para todos os convidados. ;Não podemos esquecer que vivemos um momento de crise, que tivemos uma verba pequena e que não poderia ser direcionada apenas para hospedagem;, explica Edilene. ;A gente lamenta o mal-entendido;. Tibiriçá publicou um texto sobre o ocorrido em sua página no Facebook, o que gerou alguma repercussão e um telefonema do secretário de Educação, Júlio Gregório, com um pedido de desculpas. ;Ele entendeu os limites que uma licitação impõe;, garante Gregório.
Análise da notícia
Patrimônio lapidado
Brasília sempre foi conhecida como celeiro de músicos. Primeiro do rock, depois de instrumentistas tão gabaritados que acabavam nos palcos de Maria Bethânia e Gal Costa, e, em seguida, do choro, do canto, da música erudita. Um patrimônio como esse se constrói ao longo de anos de esforço e competência pedagógica, dedicação e política pública, mas sua continuidade pode ser destruída em questão de semanas. A Escola de Música de Brasília (EMB) leva boa parte dos louros por tornar a cidade uma referência e é claro que a excelência pedagógica da instituição faz diferença. O Curso Internacional de Verão da Escola de Música (Civebra), cuja credibilidade possibilitava a vinda de grandes nomes da música, sempre foi um braço dessa estratégia pedagógica idealizada pelo maestro Levino de Alcântara, criador da escola. A lista do curso, nos últimos 40 anos, colocou à disposição dos alunos nomes da música com os quais raramente eles poderiam ter aulas. E 30 minutos de uma master-class com um pianista russo de um conservatório pelo qual passou Tchaikovsky ou com um guitarrista que toca com Caetano Veloso pode equivaler a anos de aprendizado e conhecimento. (NM)