Ricardo Daehn
postado em 15/02/2018 07:43
Crítica
Eu, Tonya // ****
Existe um punhado de filmes de casais desenvolvidos pelo roteirista Steven Rogers; no bojo, idealizados nos moldes de Hollywood, como confirmam Quando o amor acontece, Kate & Leopold e P.S. Eu te amo. Fugindo à regra, Rogers explorou, no drama de contornos bizarros e cômicos Eu, Tonya, uma trama brotada da vida real e temperada, com um amor brutal, ao sabor do mundo cão.
Dirigido pelo cineasta Craig Gillespie, o longa se apossa do drama da atleta Tonya Harding, até hoje, desacreditada como vítima de um espetáculo tosco que redefiniu o curso das Olimpíadas de Inverno de 1994. Entre tapas e beijos, Tonya foi seduzida pelo amor do fracassado Jeff Gillooly (Sebastian Stan, lembrado como o Bucky de Capitão América).
Se há 10 anos, o diretor Gillespie criou alvoroço ao acasalar um homem com uma silenciosa boneca de estatura real (em A garota ideal); agora, com o novo filme, ele escandaliza, ao desvendar parte do enredo que sabotou o sistema de competição, tão acirrado na sociedade norte-americana. Amparado pelo estilo à la tabloide, Gillespie recria os bastidores disfuncionais que encadearam os ferimentos em Nancy Kerrigan, rival de Tonya, na patinação artística.
Expurgada do pódio sedento de moças exemplares, Tonya (Margot Robbie, indicada ao Oscar de atriz, ao Bafta e ao Globo de Ouro, além de vencedora do Círculo dos Críticos de São Francisco) seria produto, no determinista roteiro, do rigor bronco de uma realidade seletiva. O funil da seleção, porém, estaria desatento aos coeficientes inseridos no dia a dia de Tonya, movido a álcool, pobreza, agressões e chances limitantes. Sabe-se lá como a atleta alimentou com méritos artísticos a sua patinação, mas uma coisa é certa: a assustadora mãe LaVona (a coadjuvante Alisson Janney, ímpar na caracterização em cena) não ofertou grandes facilidades.