Isabella de Andrade - Especial para o Correio
postado em 04/02/2018 07:30
Inovadora e transformadora ao longo do tempo, a arte circense cria diferentes significados para a contemporaneidade. Seja na lona, nas ruas e praças, nos teatros ou jardins, os artistas de circo mostram o quanto a linguagem é aberta e também capaz de dialogar com os novos tempos.
A transição entre expressões artísticas é constante. Pelo corpo do artista, a serviço do público, é possível enxergar a mistura entre a arte dos picadeiros, a dança, o teatro e as artes visuais. Diferentes linguagens se misturam em um rico mosaico, mostrando que a tradição de uma linguagem pode se manter sempre atual.
[SAIBAMAIS]
Um dos grupos mais fortes do Distrito Federal é o coletivo Instrumento de ver, que existe criativamente na cidade desde 2002. A companhia comemora mais de 15 anos de atividades em produção, idealização de projetos, apresentação de espetáculos circenses, atividades formativas para artistas e oficinas. Há também uma forte vertente em pesquisa artística e teórica, que colabora para a difusão e o conhecimento da arte circense em território nacional.
Julia Henning é uma das integrantes da equipe, especialista em acrobacias aéreas. Ela conta que a companhia transitou por diversas vertentes do circo, se apresentando em espaços que passam pelas tradicionais lonas e chegam aos parques de Brasília. O grupo já teve uma lona em 2005, como parte do projeto cultural Movimento rua do circo.
Atualmente, os trabalhos acontecem no espaço Pé Direito, um importante ponto de encontro para artistas que se dedicam a essa linguagem. Em 2018, o grupo vai inaugurar sede própria na Vila Planalto.
;A gente se propõe a apresentar em lugares diferentes. Cervejarias, ruas, parques. No Brasil, infelizmente, há uma política um pouco complicada para a circulação e montagem de lonas, então não temos tanto essa tradição. Mas o circo é muito versátil, sua diversidade é imensa, então, transitamos entre essas variações;, destaca a artista.
Julia, que atualmente cursa uma especialização circense na França, lembra da forte relação de pertencimento e identidade entre artistas de circo de todo o mundo. ;Estar dentro ou fora da lona são apenas possibilidades, o circo é muito plural, é o lugar da diversidade;, destaca.
Mudanças
A partir dessas possibilidades, o circo se mistura com a contemporaneidade e cria novas formas de estar na cidade e se relacionar com o público. Capaz de absorver as mudanças do mundo, a linguagem está sempre se transformando. ;Acho que a gente tem essa sensação de que as coisas estão acabando, isso sempre é dito, mas, na verdade, elas estão se renovando;, lembra Julia.
Em outro ponto da capital, o grupo brasiliense Nutra, com residência no Galpão do Riso, em Samambaia, foi fundado em 2006 e também mostra essa versatilidade e capacidade de se adaptar aos novos tempos. Nos espetáculos, entram em cena a mistura de técnicas circenses, preparação do ator, música instrumental, canto e a figura do palhaço.
Um dos integrantes da companhia, João Porto lembra que a arte circense está sempre viva e segue encontrando sutilezas ao se inovar na criação dos novos artistas, que misturam tradição e invenção contemporânea.
;O primeiro espetáculo a que assisti foi de circo. Ele faz parte do imaginário cultural de nosso país e de grande parte do mundo;, destaca o ator e palhaço. O Nutra se apresenta em lugares abertos e fechados, lembrando que a linguagem circense atual alcançou uma dimensão que se expande para diferentes lugares da cidade e se funde ao meio urbano. Enquanto isso, em seu espaço fixo, o grupo preserva uma bela lona circense.
;Um fato curioso é que, ao montarmos a lona, ela ajudou muito na divulgação tanto do espaço quanto das atividades que acontecem para a comunidade;, conta João Porto. Todos ficaram curiosos com a imagem encantadora e queriam saber mais sobre as produções do local. O artista destaca que o circo ganhou novas dimensões sutis, passando por transformações estéticas e se vê presente em espetáculos de teatro e de dança. ;Ele muda para resistir;.
Novos tempos
Enquanto isso, a Trupe de Argonautas, que também ocupa o espaço Pé Direito, gerido por Pedro Martins, um dos integrantes do grupo, investe na inovação dos espetáculos. A companhia é formada por artistas que trazem a dança e o teatro em seu repertório, criando um amplo leque de linguagens na produção criativa. Pedro lembra que, atualmente, a arte circense investe em pesquisa relacionada à tecnologia, trabalhando com projeções mapeadas, dança vertical e outras possibilidades.
;O circo se renova e começa a ocupar espaços não convencionais. Ele tem ainda muita força e se expande tanto no lado artístico quanto lúdico e até mesmo para a preparação física e corporal;, destaca Pedro Martins. Os integrantes da trupe investem na montagem de espetáculos diferenciados e misturam elementos como lira, trapézio, muitos trabalhos aéreos, tecidos, acrobacias e mastro chinês. Além disso, as oficinas de maquiagem cênica e iluminação ampliam o espaço de diálogo.
A trupe não tem tradição no trabalho com a lona de circo, justamente pela utilização constante de múltiplos aparelhos em cena. A diversidade de linguagens, trajetórias, espaços de criação e apresentação entre os grupos da cidade mostra o quanto o circo tem força para se renovar e como se adapta de maneira eficaz às novas relações com a cidade. Assim, tradição e inovação se misturam na criação e transformação de uma arte com força para transitar e resistir ao tempo.
;Todo trabalho que se propõe a agregar diferentes linguagens e formas de comunicação está tentando se aproximar de seu público e isso sempre vai ser uma experiência rica;
Pedro Martins