Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Canibalismo e sexo livre dão coordenadas em títulos do Festival de Roterdã

Perversões, pedofilia e cinismo da elite brasileira são temas da vez, na avaliação do diretor Guto Parente, com dois filmes destacados pelo Festival de Roterdã

Cada vez mais presente na vitrine de cinema internacional representada pelo Festival de Roterdã, o cinema brasileiro segue numa fase boa junto ao público holandês: Pela janela (de Caroline Leone), por exemplo, ano passado foi o vencedor de melhor filme, segundo a crítica do evento. Até 4 de fevereiro, 12 fitas ; com amplo destaque para o cinema do Nordeste ; serão mostradas na 47; edição do festival. Selecionado pela direção do longa O clube dos canibais (que estará na programação de amanhã, dia 27), o diretor cearense Guto Parente terá dupla exposição, a partir de hoje (sexta, 26/01): com Pedro Diógenes (codiretor), acompanhará a estreia mundial da fita Inferninho. Sexo, vícios e excentricidades calibram as duas produções. Confira, a seguir, as expectativas de Guto Parente.

TRÊS PERGUNTAS // Guto Parente, cineasta

Teu cinema choca, de algum modo? Como despertou o interesse do festival, com dois filmes?

Não acho que meu cinema choque. Até porque, diante de uma realidade tão absurda e chocante como a que estamos vivendo nesses tempos, para que um filme choque é preciso que ele seja mais realista que o real. E a violência realista não me interessa. Prefiro trabalhar no campo da fantasia, do delírio. Não saberia dizer exatamente o que no meu cinema interessa a Roterdã. Por ser um festival que se permite a ousadia, se permite fazer apostas em propostas estéticas que fogem do convencional, suponho que os meus filmes devam apontar pra esse lugar. Até as estreias, tudo é só suposição. Um filme só existe depois da sua primeira exibição.

O clube dos canibais pretende trazer crítica?

É um filme de terror e comédia que se propõe a gerar reflexões. Algo que é na verdade muito comum em inúmeras fitas de terror, nenhuma novidade. Basta olhar para os filmes do George Romero, por exemplo, ou, dando um exemplo mais recente, o Corra! do Jordan Peele. A novidade talvez esteja no fato de que em O clube dos Canibais eu retrato a elite cearense e jogos de poder muito nossos, dessa nossa estrutura social que é das mais desiguais e perversas. O cinismo da elite é um monstro assustador.

A aceitação de filmes com tema LGBTQ se modificou bastante, no Brasil?

A corda está tensionada. Com certeza existe um fortalecimento enorme do movimento LGBT e muito espaço foi ganho, tanto de representação, espaço, quanto de discussão e de direitos. Por outro lado, vemos essa reação conservadora extremista gritando alto, cheia de orgulha da própria ignorância e truculência. Mas hoje, apesar de todo o mal que essas pessoas e grupos são capazes de gerar, eu tendo a ser otimista e acreditar que o movimento LGBT vai continuar se tornando cada vez maior e mais forte. Eles têm a garganta pra gritar; nós o coração. Eu acho que os artistas estão entendendo a importância de se engajarem e puxarem a corda pro lado da liberdade. Não à toa o conservadorismo está mirando na gente agora, criando mobilizações demagógicas para censurar exposições e obras de arte. Desviando o foco dos problemas, criando falsas evidências, enquanto as sagradas instituições da família e da igreja seguem sendo as esferas onde mais se concentram casos de pedofilia.