Diversão e Arte

Exposição reúne 48 obras de Tomie Ohtake na Caixa Cultural

Artista foi ícone da abstração brasileira e explorou seus talentos em gravuras e esculturas

Nahima Maciel
postado em 09/01/2018 06:30
Tomie Ohtake levou o gesto e a cor para o universo da abstração e virou referência para a arte brasileira
Todos os anos, uma equipe de curadores do Instituto Tomie Ohtake se debruça sobre o acervo da artista com o objetivo de encontrar ali novas leituras. A ideia é conseguir extrair novos olhares e significados de uma das coleções de arte abstrata mais importantes do país. É uma forma de manter dinâmica a linguagem desenvolvida por Tomie e uma tentativa de, a cada vez, atrair novos públicos. A exposição que chega a Brasília hoje é fruto desse trabalho. Com um total de 40 gravuras, cinco pinturas e três esculturas, Cor e corpo reúne obras cuja intenção é mostrar como a artista sempre trabalhou a forma integrada à cor.
Pertencentes à coleção do instituto, as obras faziam parte do acervo da própria artista e incluem serigrafias, litografias e gravuras em metal que formam um conjunto capaz de dar a dimensão de todas as linguagens usadas pela artista. Carolina de Angelis, responsável pela curadoria ao lado de Paulo Miyada, escolheu obras que permitissem um passeio por algumas das fases mais importantes de Tomie.
Foram mais de 60 anos de produção ; a artista morreu em 2015, aos 101 anos ; e seria necessária uma exposição muito grande para abordar todas as fases. ;Não está todo esse período longo de produção na mostra, mas a gente estima que boa parte está pontuada, principalmente pelas gravuras, que é um conjunto bem consistente;, avisa a curadora.
As fases, Carolina explica, não são muito claras na trajetória de Tomie. Não há fronteiras delimitadas entre os campos de interesse e a artista costumava navegar de acordo com a pesquisa desenvolvida. ;Ainda que dê para dividir a obra dela em fases, não são muito claras, não é que uma hora ela trabalhava só com a cor e aí ela abandonava inteiramente e ia fazer algo completamente diferente;, avisa Carolina.
Mas há três aspectos importantes a serem observados quando se tem diante dos olhos uma obra de Tomie Ohtake. O compromisso com a cor e o gesto são os mais evidentes. Deles, deriva a textura, muitas vezes explorada nas pinturas com misturas de tintas sobre a superfície das telas. No campo das cores, é possível notar como são dinâmicos os interesses de Tomie, ora focada na exploração de tons mais ousados, ora totalmente dedicada à gestualidade em trabalhos monocromáticos brancos.
Quando se trata do gestual, a obra de Tomie é generosa, especialmente na produção escultórica. As formas orgânicas onduladas nascidas com a ajuda de arames que a artista moldava segundo suas projeções para o espaço são linhas que flutuam no ar. ;Ela sempre soube pensar o espaço. Mesmo com pinturas em grande escala. Enquanto ela transforma o gesto em objeto, ela também pensa em como isso ocupa o espaço, como as pessoas vão circular por isso, como vão interagir;, diz a curadora.
Os mesmos círculos, tão caros à cultura oriental e tão presentes nos quadros, tomam forma no processo escultórico em grande escala. O gesto ganha uma tridimensionalidade quase lírica, sempre muito orgânica, e é possível imaginar como a artista idealizou a leveza e a presença humana em torno da obra. ;É o mesmo gesto que a gente vai encontrar entre as pinturas, isso é muito especial da produção da Tomie;, explica Carolina.
O lugar de Tomie Ohtake na arte brasileira não é apenas o de destaque no abstracionismo ou o de nome expressivo na comunidade de artistas de origem japonesa que produziram na cena artística de São Paulo. Tomie já passava dos 40 anos quando decidiu se tornar artista. Foi depois de criar os dois filhos e cuidar da casa por décadas que ela achou estar na hora de seguir uma profissão. E não escolheu uma profissão comum ou óbvia. Foi logo para a pintura, desafiando convenções sociais bastante conservadoras naqueles anos 1950.
Também era uma figura agregadora, em volta da qual flutuavam grupos de artistas. Tomie nunca se filiou a nenhum movimento, nem mesmo ao abstracionismo ou ao concretismo da época, mas bebeu em todos eles com bastante liberdade. Essa independência está refletida na maneira como ela encara o movimento, a cor e o gesto nas obras em exposição em Brasília.

Entrevista/ Carolina de Angelis, curadora

Tomie Ohtake começa a pintar com 40 anos. Que consequência isso teve para a obra dela?
Acho que isso não fica explícito, mas ensina muita coisa se a gente pensar que uma artista mulher, nos anos 1950, depois de ter cuidado da casa e dos filhos, decide ter uma profissão nada comum. Decide ser artista e consegue ter o reconhecimento ao mesmo tempo em que está produzindo. É um feito ela conseguir sucesso no seu tempo sendo mulher, lembrando que é o começo dos anos 1950. A gente não pode dizer que a biografia está tão atrelada à obra, mas à figura, porque Tomie também cumpriu um papel social importante de ser a pessoa que agregava outros artistas, recebia as pessoas em casa para conversar sobre a produção, ouvia mais que falava, mas era da personalidade dela.
Qual o lugar dela na arte abstrata brasileira?
Podemos considerar a Tomie como uma das maiores pintoras brasileiras, mas ela nunca se filiou a nenhum movimento, nem ao abstracionismo, nem ao concretismo. Ela manteve uma pesquisa que passava pela geometria, pela forma, pela cor, mas sem um compromisso de algum lado mais temático. E a gente não pode desconsiderar que a Tomie estava com esses artistas, ela convivia com artistas que faziam parte de um movimento, seja o grupo de artistas japoneses, seja o de artistas que depois vão se aliar ao concretismo ou ao neoconcretismo. Ela estava nesse meio e um contamina o outro. Mas ela teve um trabalho muito autoral.
Como reconhecemos a influência da origem oriental na obra da artista?
Tem uma leitura muito importante da obra da Tomie por um viés zen, feito pelo Paulo Herkenhoff, que é uma das maiores leituras que a gente tem da Tomie até hoje. Não era uma pauta sempre para a artista, mas em alguns momentos tem características muito reconhecíveis como o círculo sozinho no meio de uma tela, essa ideia de universo universal, o símbolo zen que é o círculo. Isso aparece em variados momentos, desde o início da produção até nas últimas obras. E existe uma gestualidade diferente que se assemelha à caligrafia japonesa com o gesto de técnicas como o sumiê e o shodô. A gente não pode dizer que uma coisa foi inspirada na outra ou que realmente influenciou a outra, mas é possível encontrar essas referências da cultura e da arte japonesas.
Cor e Corpo
Exposição de Tomie Ohtake. Abertura hoje, às 19h, na Caixa Cultural Brasília (Galeria Principal - Setor Bancário Sul, QD 04). Visitação até 4 de março, de terça a domingo, das 9h às 21h. Entrada franca.

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