Alice Corrêa*
postado em 28/11/2017 08:38
O movimento que mistura elementos tecnológicos e futuristas com o passado da cultura negra é chamado afrofuturismo. Criado na década de 1960 pelo filósofo cósmico e poeta Sun Ra, nos Estados Unidos, o movimento ganhou força no Brasil nos últimos anos. É possível ver negros e negras se inserindo nesse movimento cultural por meio da moda, das festas e das músicas. O objetivo principal é pensar um futuro em que o negro é protagonista nas áreas de poder, sejam elas a medicina, a política ou as artes. Com base nessa frente, a pós-doutoranda na Universidade Católica de Brasília Kênia Freitas realizou em 2015, a primeira mostra afrofuturista do Brasil, em São Paulo. A jornalista contou ao Correio que o evento foi inspirado em um podcast que escutou sobre as raízes negras na música eletrônica e pôde relacionar ao afrofuturismo, ainda pouco conhecido no país. ;Podemos identificar o afrofuturismo na estética da lacração, do empoderamento intelectual nas formas criativas de se pensar a moda negra, o cabelo e a maquiagem. É uma forma de empoderamento e estética entre nós, nossa história e corpos;, conta Kênia.
O afrofuturismo, desenvolvido para unir elementos hi-tech com traços de ancestralidade africana, se utiliza da arte para valorizar a história do povo negro. O Senzala Hi-tech foi criado em 2015 para ;contar a história negra com protagonismo;, como define Junião, percussionista e designer gráfico do grupo. O Senzala faz ;música preta brasileira;, mesclando traços de futurismo com raízes africanas e brasileiras. Junião conta que ;a ideia é olhar para o passado e aprender, mas não se prender a ele. A gente pensa no futuro e projeta o negro como protagonista na arte, na música, na engenharia, nas áreas médicas. A questão é assimilar o passado, transformar o presente, pensando num futuro;.
O maior aliado do movimento nos dias de hoje é, como sugere o nome, a tecnologia. Junião conta que a internet é fundamental para disseminar as ideias afrofuturistas. ;Há mais oportunidade de mostrar o nosso discurso;, conta. O produtor e vocalista do Senzala Hi-Tech, Minardi, enfatiza que a tecnologia permite que mais pessoas conheçam a história do povo negro. ;Hoje, nós conseguimos nos comunicar com o mundo todo. Inserir o negro nesse universo tecnológico e poder usar essas ferramentas para levar à frente a nossa ancestralidade e o que realmente somos é o objetivo;.
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Onde está o afrofuturismo
Na moda
A moda afrofuturista é bem representada pela ;geração tombamento;, criada pela rapper Karol Conká. Roupas metalizadas, cabelos descoloridos e estética sci-fi. Ao mesmo tempo, turbantes e estampas tribais fazem a ponte temporal entre o passado e futuro da cultura negra.
Na música
Desde Erykah Baduh e Miles Davis até Rihanna e a nova cena do rap e pop mundial, a música é uma grande frente do movimento. No Brasil, o rap se insere na estética moderna com mais engajamento. A rapper Tássia Reis lançou um CD em 2016 com elementos gráficos e sonoros progressistas. Também em 2016, a brasiliense Ellen Oléria lançou um CD com nome e estética afrofuturistas.
Na universidade
O estudante de mestrado da Universidade de Brasília Waldson de Souza pesquisa Afrofuturismo na literatura brasileira no departamento de letras da Universidade. O estudante lembra que o assunto é pouco explorado na academia e, isso despertou-lhe o interesse em pesquisar o tema. ;Existem poucos estudos sobre essa literatura e ela raramente aparecia nas ementas das disciplinas que cursei;, conta Waldson.
Na literatura
O livro Cidade de Deus Z, do carioca Julio Pecly, narra uma invasão zumbi na favela. Outra obra que mistura a narrativa da cultura negra ancestral com heróis e fantasia é Ritos de passagem, do paulista Fábio Kabral.
*Estagiária sob a supervisão de Severino Francisco