Inspiradas pela presença ainda pequena de autoras negras no mercado literário, Evelyn Sacramento, Adriele Regine e Paula Gabriela uniram esforços para criar o projeto Lendo mulheres negras, que teve sua primeira edição em Brasília neste mês, com debate da obra de Cristiane Sobral. Pesquisas como a da Regina Dalcastagn; (professora de literatura brasileira da UnB) mostram que o cenário das grandes editoras nacionais é extremamente desigual: a maioria dos autores são homens brancos de classe média que, em gêneros narrativos, insistem em construir ficcionalmente o mesmíssimo espaço que ocupam. Desigualdade de raça e gênero se unem na construção do cenário literário atual.
As três idealizadoras, estudantes de cinema, moda e psicologia, respectivamente, se conheceram durante um mestrado em estudos étnicos na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e criaram a primeira edição do projeto em 2016, em Salvador. A ideia é possibilitar um espaço de discussão dos trabalhos das autoras e incentivar a circulação dos livros que, muitas vezes, encontram dificuldades para se inserir de maneira eficiente no mercado. ;O projeto cumpre esse papel de apresentar, mostrar que existem sim escritoras negras com livros incríveis e premiados. Quanto mais priorizamos essas autoras, mais incentivamos que outras percebam que esse espaço também é possível para elas;, destaca Paula Gabriela, uma das idealizadoras.
Os temas abordados são diversos e partem do universo retratado em cada obra escolhida. Um dos diferenciais dos encontros é o destaque para a questão da afetividade, que sempre aparece como ponto de partida para os debates. A ideia é discutir também a trajetória das escritoras, pensar no que cada livro mobilizou na vida de suas criadoras e da comunidade em que estão inseridas.
Paula enfatiza que ancestralidade e temas familiares costumam entrar em cena. ;As mulheres já são excluídas de vários espaços, você junta o fator gênero com o fator racial e você tem uma exclusão ainda maior. O mercado editorial é muito cruel com as autoras negras, existe uma dificuldade de publicação muito maior;, lembra a estudante de psicologia.
Em novembro, na estreia dos encontros em Brasília, a autora Cristiane Sobral foi convidada, com o livro Terra negra. Escritora e poeta, ela conta que foi um momento rico de trocas literárias e compartilhamento das experiências vividas com a recepção da obra. ;Foi também um momento de muita emoção em função da identificação que o texto causou;, lembra a brasiliense.
Nos eventos, os textos abordados ganham as mãos e o interesse de novos leitores, possibilitando que cada autora amplie sua rede de colaboradores, fazendo a obra circular em maior escala. Outros temas importantes entram em pauta, como as estratégias de composição e estilo de cada escritora, metodologia, mercado editorial, ponto de vista do leitor e intencionalidade do escritor. Além disso, temáticas étnico-raciais, subjetividade da mulher negra, racismo, o jeito de ser e de viver, a cultura do povo negro, memória, história e ancestralidade ganham amplo destaque.