Diversão e Arte

Conheça três jovens que fizeram da poesia parte de seu cotidiano

Os brasilienses Meimei Bastos, Manoela Morgado e Pedro Leite, como muitos outros jovens, são muitas vezes invisibilizados pela pouca idade

Rebeca Borges*
postado em 31/10/2017 07:01
Atualmente, Meimei Bastos é coordenadora do projeto Slam Q%u2019brada e trabalha para a publicação do livro 'Um verso e Mei'


Gastei uma hora pensando em um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.

Carlos Drummond de Andrade



Evoé, Drummond e jovens à vista! Hoje poetas de todas as classes sociais, de todos os gêneros literários, se rendem e celebram o Dia da Poesia, data marcada pelo nascimento do itabirano Carlos Drummond de Andrade, há 115 anos. A efeméride, oficializada em 2015, por meio da Lei n; 13.131, é o mote para destacar jovens escritores que, muitas vezes, não têm o merecido reconhecimento. A cena literária do Distrito Federal é repleta de poetas e poetisas, muitas vezes invisibilizados pela pouca idade, pela ingenuidade estética, pela maneira diferente de escrever ou por habitarem as periferias da cidade. Mas que buscam na poesia uma razão de ver o mundo com novas possibilidades... Transformadoras.

A poesia dessa juventude é foco de estudos da professora e coordenadora do grupo de pesquisa e performance Vivoverso, da Universidade de Brasília (UnB), Sylvia Cyntrão. ;O poeta organiza o que nós, leitores, sentimos, mas não conseguimos expressar;, destaca em artigo abaixo, ao acrescentar que, entre os jovens, não é diferente.

Marina Mara, poetisa e mestranda em arte e tecnologia pela UnB, explica que muitas das formas tradicionais de se fazer poesia ; seguindo regras de métrica e rima, por exemplo ; estão sendo subvertidas por essa nova geração. Segundo a pesquisadora, com a percepção desses rapazes e moças, os versos ganham uma roupagem diferente. ;O jovem precisa da poesia de uma forma que fale a língua dele;, explica Marina. Diante disso, a poesia aparece no rap, no grafite e até nas histórias em quadrinhos, conta a pesquisadora.

Com experiências de trabalho em comunidades habitadas por diversos jovens, Marina conta que a poesia é uma grande ferramenta para estimular o empoderamento da juventude. ;Não tem nada mais valioso do que uma boa história. Essas pessoas têm muitas e sabem expressá-las.;

Descoberta

Medos, angústias, anseios e mudanças. A juventude é uma etapa de descobertas pessoais. Para Manoela Morgado, de 22 anos, a poesia foi uma porta para se situar diante de dificuldades e expressar sentimentos. Entretanto, a jovem não começou na literatura com poesia. ;O interesse começou há uns dois anos, escrevendo prosa. Foi aí que comecei a fazer aulas de escrita criativa e desenvolver um olhar poético, mais conciso;, conta Manoela, estudante de letras e moradora do Lago Sul.

Os textos escritos por meio das aulas viraram um livro. Grandes chances de morrer lentamente, publicado em formato de e-book, é um compilado de poesias. ;Era uma imagem de descobertas da própria escrita. Estava meio confusa em relação ao meu curso, ao futuro, acho que foi o jeito que achei pra me expressar e me impor;, explica a estudante.

Hoje, os trabalhos literários de Manoela têm uma temática diferente: a poeta se encontrou em meio às experiências vividas. Apesar de se inspirar em temas diversos, ela confessa: ;Tenho uma preocupação em ler mais poetisas, identificar esses olhares;. Um dos trabalhos recentes da jovem, foi o Projeto Mostarda. Manoela reuniu outras nove mulheres para produzir um zine, espécie de publicação impressa independente. Além de poesias, o trabalho reúne fotografias, colagens e desenhos.


;(...) Como é possível amar uma mulher? (...)
O amor dessa mulher que sou eu mesma por mim mesma
(;) dentro das molduras das fotos que eu tenho espalhadas pelo quarto? (...) ;

(Trecho dos versos de Manoela Morgado)

Manoela Morgado, autora do livro Grandes chances de morrer lentamente e prevê uma nova edição para breve
;Escrevivência;

;A minha relação com a poesia é uma coisa natural. É meu refúgio;, destaca Meimei Bastos, 26 anos. A jovem que mora em Samambaia tem a periferia como inspiração. Meimei sempre participou de saraus ;nas quebradas; do Distrito Federal, levando seus versos sobre as experiências de uma jovem de subúrbio aos ouvidos de outros jovens.

Em 2015, venceu o Slam das Minas, um evento de poesia onde autoras do gênero feminino recitam textos autorais, avaliados por um júri popular, também formado apenas por mulheres. E ela não parou por aí: a poetisa representou o Distrito Federal em São Paulo, na competição nacional Slam BR. Depois disso, Meimei participou da organização do Slam das Minas mas, em 2016, deixou a iniciativa para produzir o Slam Q;brada. O projeto realiza batalhas itinerantes de poesia apenas nas periferias do Distrito Federal e do Entorno.

Além disso, a jovem tem dois livros na bagagem. Um deles é o Mulher quebrada, que conta com poesias de mulheres da periferia para a periferia. A outra obra de Meimei é o livro, ainda não publicado, Um verso e Mei. ;Neste livro, abordo todo o tempo a quebrada, a periferia, as pessoas que vivem nela, a dinâmica. A dedicatória é para a quebrada;, conta a poetisa.

Meimei diz ainda que, atualmente, seus trabalhos ganharam uma roupagem diferente, busca temas mais metafóricos e evita ser carimbada por sua postura política. ;Eu beirei de ser rotulada como escritora periférica;, explica sobre os temas abordados em seus trabalhos. ;Não queria receber um rótulo. Gostaria de ser considerada uma escritora universal como outros autores, principalmente autores brancos;, conta a poetisa.

Entretanto, a jovem confessa que seus trabalhos sempre terão uma carga das experiências vividas por ela. ;É inevitável não fugir da quebrada e não falar de mulher preta ou da dinâmica da periferia. É a minha ;escrevivência;.;


dedico-me ultimamente
à infeliz função de
carcereira.
Tornei-me Bangu,
presídio
de segurança máxima,
para os meus poemas mais
inconformados.

(Trecho da poesia Cárcere, de Meimei Bastos)


Visibilidade
A flor que rompe os muros, organizado por Pedro Leite, foi lançado em outubro de 2016

O estudante de história Pedro Gabriel Leite, de 20 anos, se encontrou no mundo da poesia cedo. ;Comecei a me interessar quando tinha mais ou menos 12 anos de idade. A poesia, desde o começo, era um lugar em que podia me expressar livremente.; Entretanto, só percebeu que os textos poderiam se tornar algo sério quando começou a mostrá-los a outras pessoas.

Depois de muitos versos escritos, surgiu a vontade de juntá-los para publicar um livro. Pedro encontrou diversas dificuldades nesse processo. ;Não encontrava uma editora interessada. Algumas queriam publicar, mas cobravam um preço caro para publicar. Estava muito frustrado, com a sensação de que a poesia não encontra muito lugar hoje em dia;, explica Pedro.

Foi com um grupo de outros poetas que ele publicou seu primeiro livro, A flor que rompe os muros. ;Tive a ideia de me associar com alguns amigos, cada um pagaria um valor específico, ficaria mais barato;, conta o estudante morador da Vila Planalto. O livro, lançado em 2016, é uma coletânea com textos de oito jovens.

;Essa geração de hoje tem muita vontade de ser ouvida. A poesia está buscando novos lugares;, aponta Pedro, que dá como exemplo a música e até a pintura. ;Quero continuar trabalhando com poesia marginal, ajudar as pessoas que estão marginalizadas;, conta o estudante.


(;) Mas quis a vida que eu fosse assim.
Afogado nos livros.
Esquecido nas poesias
De poetas mortos. (...)

(Versos de Pedro Leite)
Artigo
A importância da poesia no cotidiano das pessoas
Sylvia Cyntrão
;Socorro, alguém me dê um coração/Que esse já não bate nem apanha/Por favor/

Uma emoção pequena, qualquer coisa/Qualquer coisa que se sinta/Tem tantos sentimentos/Deve ter algum que sirva.; Esses versos da canção ;Socorro!” de Arnaldo Antunes são um sintoma contemporâneo e nos dão uma boa medida do que andamos todos precisando.

O filósofo Edgar Morin nos diz que o ser humano alterna dois estados: o prosaico e o poético. Prosaico é o que nos faz sobreviver, o que nos move a levantar de manhã a cada dia e sair de casa para estudar ou trabalhar, por exemplo. Já o estado poético é quando as emoções afloram e dão a verdadeira dimensão da humanidade de cada um de nós.

Conciliar os dois estados cotidianamente é o difícil, porque nem sempre a poesia está do lado da beleza como a conhecemos, muitas vezes são as emoções mais dolorosas que nos aproximam do autoconhecimento e de uma abertura para a melhor compreensão do mundo, porque empatia, em qualquer situação, é uma atitude poética. Por isso, é preciso que cada um de nós reaja à fluidez, aos laços frouxos, à desesperança. É preciso todos os dias buscar esse ser poético que a vida de lutas prosaicas teima em abafar em nós.

E essa poesia pode aparecer sob formas diferentes, não só nas artes tradicionais, mas em cada ação cotidiana. Lembro que poesia e poema são conceitos que se complementam, mas não são o mesmo. O poema é, em verdade, o produto concretizado da rede de sensações, observações e intenções esteticamente postas em relação pela palavra oral ; falada e cantada, ou impressa. O poeta organiza o que nós, leitores, sentimos , mas não conseguimos expressar, pois tem uma capacidade que apenas em alguns extrapola a interioridade silenciosa ou a superficialidade e se transubstancia.

Então, com o poema, mas para além dele, é preciso resistir ao que desagrega e fragmenta e compreender a força criativa das emoções que compartilhamos. É preciso reinaugurar esse lugar poético de ser, porque o lugar do emocionar-se é o mesmo da transformação que pode salvar vidas.

Como disse o escritor angolano José Eduardo Agualusa, perguntado sobre a importância da poesia ; e eu repito aqui pela beleza da imagem: ;A poesia não salva o mundo, mas salva o minuto.;

Sylvia Cyntrão é coordenadora do Grupo de Pesquisa e Performance Vivoverso, da Universidade de Brasília, que há mais de uma década promove em suas ações intra e extramuros da UnB o estado de poesia: lê os poetas, performatiza emoções e incentiva novos autores entre seus membros


*Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira

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