Adriana Izel
postado em 03/10/2017 08:52
Ao lado da música sertaneja, o funk é um dos gêneros mais ouvidos no Brasil nas plataformas digitais, nas festas e nas rádios, espaço conquistado após as mudanças no estilo, que deixou de lado os ;proibidões; (faixas com palavrões e termos de baixo calão). Dados divulgados pela TIM Music by Deezer em 29 de setembro revelaram que o funk é o segundo estilo musical mais ouvido no serviço de streaming, com 16% do consumo, atrás apenas do sertanejo. Na lista das 10 músicas mais executadas, três são do ritmo: Fazer falta, de MC Livinho, que está em segundo lugar; Paradinha, de Anitta, na sétima posição; e Esqueci como namora, de Nego do Borel, a oitava mais ouvida.
O estilo musical revelou grandes nomes nos últimos anos, como Anitta, Nego do Borel, Valesca Popozuda, Ludmilla, MC Livinho, MC Kevinho, MC Guimê, MC Gui e MC G15, todos artistas nascidos e criados no eixo Rio-São Paulo. Apesar do ritmo arrastar multidões em todo o Brasil, ainda é difícil encontrar funkeiros renomados de outros estados brasileiros. No Distrito Federal, alguns artistas se arriscam no gênero, mas encontram uma certa resistência no mercado local e muitas vezes precisam sair do quadradinho para conquistar um espaço no cenário funkeiro nacional.
Esse é o caso do funkeiro MC Milk. Nascido e criado no Guará, ele conheceu o sucesso ao lançar, em setembro do ano passado, o clipe da faixa Você é linda no YouTube, com tradução em libras. O fato inusitado fez com que o vídeo tivesse mais de 110 mil visualizações na internet. Após a boa repercussão, o artista decidiu deixar Brasília para expandir a carreira com temporadas no Rio de Janeiro e em São Paulo.
;Em Brasília, as pessoas não valorizam quem é de casa. Temos muitos talentos (do funk) na cidade que as pessoas não dão uma oportunidade ou que as desacreditam e desestimulam. Além da determinação e a certeza de que isso era o que eu queria para a minha vida, eu tive ao meu lado alguém que acreditou em mim, no meu sonho e no meu potencial. Meu empresário sempre pensou ;fora da caixinha;. Além disso tudo, desde a primeira vez que saímos de Brasília com meu trabalho temos fechado parcerias importantes com pessoas experientes no meio do funk;, afirma o cantor em entrevista ao Correio.
Um exemplo disso foi o clipe divulgado por MC Milk em setembro deste ano. Mina bandida já tem mais de 630 mil views no YouTube e é uma parceria com KondZilla, o produtor, roteirista e diretor dos principais videoclipes de funk do Brasil, que já trabalhou com nomes como MC Guimê, Pikeno & Menor, MC Tati Zaqui, MC Livinho, Nego do Borel, MC Brinquedo, MC Fioti, MC Kevinho e MC Bin Laden.
;Hoje no Brasil quando um MC está no início de carreira, um dos sonhos é ter um clipe produzido pelo KondZilla e comigo não foi diferente. Sempre ficava olhando os clipes lançados no canal e imaginando um dia ter um trabalho meu ali. Graças a Deus depois do trabalho que fizemos, nós conseguimos uma projeção nacional e com isso fechamos parceria com o Umberto Tavares, um dos maiores produtores do pop funk nacional. É ele o responsável pela maioria dos grandes hits da Anitta, Ludmilla e Nego do Borel, por exemplo. Ele foi a nossa ponte com o KondZilla, que também se tornou um forte parceiro. Tem muita coisa boa vindo dessa aliança;, garante MC Milk.
Dificuldades
Ter uma parceria com KondZilla pode ser o primeiro passo para o estrelato no funk, mas não é tudo. Outro funkeiro de Brasília teve essa oportunidade. MC Bockaum lançou dois vídeos com o produtor: Ela causa, em novembro de 2015, que teve 610 mil visualizações; e Vem pra ser feliz, de abril do ano passado, com 41 mil views. ;Foi muito legal, uma experiência muito bacana. Fiz questão de fazer (o clipe) em Brasília para evidenciar a cidade. Esse foi um dos primeiros trabalhos do KondZilla fora do Sudeste;, lembra Bockaum. Apesar de querer mostrar Brasília e continuar morando na cidade, na última semana, o funkeiro passou 12 dias em São Paulo para abrir o leque na carreira. No período em que ficou lá produziu três músicas, que serão lançadas ainda este ano.
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Prestes a completar 10 anos de carreira em 2018, MC Bockaum conta que já viveu vários momentos do funk. Inicialmente, o funk brasileiro era bastante influenciado pelo carioca, mas nos últimos anos quem dá as cartas no segmento é o funk paulista. ;Hoje, São Paulo é a meca do funk, devido à organização deles. Tem muita gente deixando o Rio de Janeiro para morar em São Paulo. O Mr. Catra é um deles. Eles demoraram a descobrir o funk, mas hoje montaram um bloco de MCs;, explica.
Sobre as dificuldades do crescimento do ritmo em Brasília de forma autoral, ele afirma ter a ver com a falta de uma produtora dedicada ao estilo musical: ;Isso dificulta. Aqui em Brasília, na verdade, em relação ao funk não tem muita união da classe artística e nem uma produtora específica.; No entanto, garante que não é uma dificuldade apenas da capital federal. ;Hoje o funk é o segundo maior segmento no Brasil. É muito forte na internet. Mas, por ser um ritmo oriundo da favela, ainda sofre uma retração muito grande;, completa.
Quem aos poucos tem conseguido derrubar algumas dessas barreiras é a brasiliense MC Jenny. Conhecida pelo hit Aquecimento da MC Jenny, ela teve músicas em trilhas sonoras, como da novela Carrossel, do SBT, Dig dim, e da minissérie A vida alheia, Digo não. Também tem no currículo participação no projeto Furacão 2000 e uma miniturnê no Paraguai. Com 20 mil seguidores no Facebook, Jenny busca mais uma oportunidade de projeção. Neste ano, ela lançou os clipes Comigo não tem brincadeira, com mais de 330 mil visualizações, Dá carinho para mim, com quase 8 mil views, e Cuidado rapaz, visto 133 mil vezes na internet.
No quadrado
;Na cidade temos grandes talentos, a MC Jenny, por exemplo, tem um dos melhores shows de funk do Brasil e música em novelas. Temos o MC Leandrinho estourado no Sul do país, o MC Vete, o Caça Prazer... Talentos não faltam, apenas precisam ter o trabalho valorizado e mais oportunidades para mostrarem o que sabem fazer;, analisa MC Milk, um dos poucos que teve oportunidade fora de Brasília. ;Se eu ficasse em Brasília, meu trabalho não aconteceria, estou passando temporadas no Rio e São Paulo, mas no mês que vem mudarei definitivamente para lá. Se derem oportunidade aos artistas de Brasília, as pessoas verão funkeiros talentosíssimos na Ceilândia, em Santa Maria, no Guará...;, completa.
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Para Milk, o funk de Brasília tem, aos poucos, criado uma identidade. O funkeiro define como um estilo com referências do funk de São Paulo e também do próprio rap de Brasília, com uma pegada de denúncia social. Já para MC Bockaum, o fato de existirem artistas isolados faz com que seja difícil imprimir apenas uma ;cara;.
;Como é uma cidade muito nova, há uma miscigenação. Há uma influência do Nordeste, do Rio de Janeiro, e do que estiver bombando. Durante muito tempo, o funk carioca foi a maior influência dos artistas de Brasília. Hoje é o paulista, porque é o mais forte. Mas não podemos dizer que há uma influência solidificada na batida brasiliense, como temos no rap. Hoje há uma cultura do rap associada a Brasília. O funk ainda não tem isso. Tem muita gente que nem sabe que tem funk em Brasília;, analisa MC Bockaum.
Outros artistas do DF
MC Vete
O primeiro hit do artista foi lançado em 2014. É a canção Cuidado pra você não errar. No ano passado divulgou nas plataformas digitais o single Vai sentar, vai quicar. Neste ano, atuou como produtor do single da Ranger Amarela ao lado do DJ Groove, a canção Bumbum em chamas. A música é um dueto com Inês Brasil.
Caça Prazer
Grupo de Ceilândia, o Caça Prazer é encabeçado pelo funkeiro MC Bruno e tem inspiração em trupes como Os Hawaianos e O Bonde do Tigrão, unindo dança e música. As principais músicas do grupo são Rebola (em parceria com MC Ralado), que tem 10 mil visualizações no YouTube, Mafioso (com 27 mil views) e Pegação (com 7,3 mil visualizações).
MC Leandrinho
Com mais de 10 anos de carreira, o brasiliense se tornou conhecido na internet como o ;rei do eletrofunk; e também pelas composições. Tem canções como Vai sim, Paraíso das mulheres e Vou te tacar o beijão.
Três perguntas// MC Milk
Como surgiu a vontade de se tornar cantor de funk?
Surgiu quando eu era mais novo, há alguns anos, quando o MC Daleste era vivo e fazia muito sucesso. Todo garoto tinha um sonho de ser jogador de futebol, e comigo não foi diferente. Foi indo jogar bola com os amigos que escutei o primeiro funk que chamou a minha atenção e despertou algo que eu nunca tinha sentido antes, que era a vontade de cantar. Desde então o meu sonho mudou de rumo, e hoje estou aqui, fazendo o que amo.
Você se destacou bastante no ano passado ao lançar um clipe em Libras. O que te motivou a fazer um material que valoriza a inclusão social?
Foi após ouvir do meu empresário, Leonardo Brito, sobre a história de uma garota surda que fazia o curso de Licenciatura em Dança no IFB. Ela havia dito que embora não pudesse escutar como nós, ela podia sentir a música e assim acompanhar sua turma na faculdade. Então eu estava prestes a gravar meu primeiro clipe e vi que podia dar minha contribuição a esse público, afinal, eles não podem escutar, mas se os clipes tiverem legenda ou a tradução em Libras, eles podem sentir e se emocionar como nós. Fico muito feliz de ser um funk que está trazendo essa inclusão. Espero que isso motive também outros cantores a ter uma atenção especial e produzir conteúdos para esse público.
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Por que há uma dificuldade de projeção dos artistas da cidade para o restante do Brasil?
A cara do Funk está sendo construída. A MC Jenny com o Aquecimento foi uma das primeiras, se não a primeira que teve uma música de funk feita em Brasília com projeção nacional. Mas as pessoas não acreditam no funk de Brasília. Preferem pagar cachês altos para contratar um funkeiro de fora e ficam resistentes em pagar um cachê pequeno para um artista da cidade, por exemplo. Já abri shows da Anitta, Ludmilla e Mr Catra. Lá fora, nós de Brasília somos mais valorizados. É o que vejo no caso do Hungria, Flora Matos e Banda Scalene, que primeiro foram reconhecidos lá fora para serem valorizados na cidade.