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Quadrinista italiano Zerocalcare retrata momentos da guerra no Curdistão

Ele chegou até Kobane, no Curdistão sírio, e produziu um diário de viagem em que conta a história de devastação e resistência da região.

O que acontece quando uma cidade desafia o Estado Islâmico? O quadrinista italiano Zerocalcare foi ao Oriente Médio para tentar responder a essa pergunta. Ele chegou até Kobane, no Curdistão sírio, e produziu um diário de viagem em que conta a história de devastação e resistência da região.

Kobane foi invadida pelo Estado Islâmico e depois retomada pelos curdos, mas em tudo ali há um rastro de destruição. Com as impressões e a vivência na região, Zerocalcare produziu a HQ Kobane calling. A obra está em pré-venda no Brasil e foi publicada pela editora Nemo. Ele é um dos grandes expoentes do quadrinho italiano e já vendeu mais de dois milhões de cópias de suas HQs.

O quadrinista contou, em entrevista ao jornal italiano Il fatto quotidiano, quais as razões o motivaram a partir rumo ao Oriente Médio. Engajado, ele quis apoiar e conhecer melhor a situação dos curdos depois do Estado Islâmico.

;Na década de 1990, comecei a frequentar centros sociais e lembrava de laços muito intensos com a comunidade curda. Então, o cerco a Kobane e a resistência da população, especialmente das mulheres, me fizeram descobrir a revolução curda em Rojava, Curdistão sírio. Protagonismo feminino, redistribuição de renda, convivência entre culturas e religiões: me pareceu que essa revolução falava nossa língua e era importante apoiar e aprender algo com elas;, disse ao jornal.

A participação feminina foi uma das questões que mais se destacaram na experiência e nos relatos de Zerocalcare. As mulheres muçulmanas são responsáveis por conduzir campos de refugiados e lutar, ao lado dos homens (de igual para igual), contra os jihadistas.

Zerocalcare fez um relato pessoal, em que sua estadia e experiência se misturam à crueldade dos fatos na região. ;Conte o que vê, como você vê;, era o lema do quadrinista. Aos horrores do Estado Islâmico, o artista conseguiu misturar passagens irônicas, engraçadas e emocionantes.
O quadrinista acredita que a versão que temos da guerra no Oriente Médio é muito rasa e passa longe de revelar todo o contexto da região. ;O fato de que nos jornais ocidentais, por exemplo, nunca conheci o termo Rojava (a região autônoma onde vivem os curdos que tanto gostamos de mostrar nas fotos), nos diz muito sobre como falamos sobre esse conflito;, opina.

Para contextualizar a história, ele fez concessões dentro da narrativa para recordar e contar momentos do passado, com clara influência do ícone do jornalismo em quadrinhos Joe Sacco. Ao fazer isso, no entanto, ele pede desculpas por possíveis imprecisões ou por parar a narrativa.

;Faço somente para tornar compreensível para um leitor que talvez não conheça o Oriente Médio, pensei, por isso, que tinha que incluir algumas explicações. Costumo pedir desculpas por esses momentos porque eu sei que alguns leitores esperam algo além de mim. E porque meus leitores são heterogêneos. Alguns deles conhecem ou estudaram essas questões muito mais profundamente do que eu;, explicou.

Apesar da influência clara de Joe Sacco, Zerocalcare recusa o rótulo de jornalismo em quadrinhos. A subjetividade da narrativa é um dos fatores para isso. ;Há algo que me faz sentir que essa definição é inadequada no meu caso. Não sei se é um tipo de complexo ou se é porque lembra o mundo do jornalismo, que sinto muito longe de mim;, observou.