Sábado, 50; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. O curta inspirado em histórias reais Estamos todos aqui começa com o depoimento de uma mulher trans que foi expulsa de casa pelo pai e luta por espaço. No mesmo sábado, na novela A força do querer, Ivan, homem trans, se recusa a voltar para a casa da família, que não aceita a forma como ele se identifica. As conexões da ficção com a realidade são notáveis em vários momentos da vida brasileira.
Questões sociais de identidade de gênero e sexualidade conquistam cada vez mais espaço na mídia, ao mesmo tempo que ganham notoriedade desde discussões em salas universitárias até festivais de cinema.
Dados da Transgender Europe (TGEU) apontam que o Brasil é o país que mais mata transexuais. Retratar os dilemas e desafios de vida de uma transexual se faz uma pauta urgente nos dias de hoje. Na novela A força do querer, Ivan (Carol Duarte) começa a trama como Ivana. A transição da personagem está sendo mostrada com o passar dos capítulos do folhetim. Coube a Simone (Juliana Paiva), uma das apoiadoras da transição de Ivana, sugerir que o nome social do primo fosse Ivan.
Pelas redes sociais, a atriz conta sobre o impacto da trama na vida dos espectadores. ;Recebemos relatos de famílias que passam por essa situação com os filhos e não querem conversar ou preferem fingir que não estão vendo, mas estão tentando entender o assunto por meio do Ivan;, revela.
Na semana em que foi ao ar a cena da mudança do nome social de Ivan, a Defensoria Pública do Estado de Rondônia publicou nas redes sociais um apoio ao personagem. ;Ivan, nós podemos te ajudar!”, publicou o órgão em 6 de setembro, fazendo uma campanha para a regulamentação do nome social dos cidadãos de Rondônia. A campanha repercutiu no Brasil inteiro e a Defensoria se pronunciou: ;Conseguimos atingir nosso objetivo e levar esclarecimento para milhares de pessoas;.
Vida real
A social media brasiliense Carolina Ribeiro, de 26 anos, contou ao Correio que a presença do personagem trans em A força do querer mudou a forma como as pessoas a tratam nas ruas. ;Há muita identificação das pessoas que não têm acesso aos debates intelectualizados. Como está na novela, as pessoas comentam mais sobre transexualidade e entendem melhor;, afirma. Em uma cena da trama, Joyce (Maria Fernanda Cândido), mãe de Ivan/Ivana, encontra hormônios injetáveis nos pertences da filha e acha que ela está usando drogas. Carol revela que, por ser trans, passou por uma situação exatamente igual em casa e acredita que muitas pessoas também se identificam com histórias retratadas na produção televisiva.
Taya Carneiro, de 24 anos, é mestranda em comunicação na Universidade de Brasília e presidente da União Libertária de Travestis e Mulheres Transexuais no DF (Ultra). Taya contou que ,enquanto Ivan traz impactos positivos para a luta trans, também estimula o radicalismo de pessoas transfóbicas. ;Ao mesmo tempo que nós avançamos nos debates, vivemos um paradigma no Brasil porque muitas pessoas estão abertamente conservadoras e polarizadas. Uma prova disso são os comentários nas publicações de transexuais nas redes sociais. As pessoas estão fazendo campanhas de terror de fato, desejando a morte dos trans. Uma pesquisa da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) mostra que o número de mortes de transexuais aumentou neste ano, o que comprova o radicalismo da população. Parece que, quanto mais espaço nós ocupamos, mais raiva despertamos nos conservadores. Mas também há o ponto positivo: a partir de agora, dificilmente alguém nunca vai ter ouvido falar sobre transexualidade. A visibilidade aumentou bastante, mas essa visibilidade pode significar mais violência também;, conta a estudante.
Taya pesquisa, na UnB, empregabilidade de trans e alega, que mesmo com o conhecimento sobre os dilemas sociais mais difundido, os trans ainda precisam fingir que são do gênero que consta na carteira de identidade. ;As pessoas ainda têm que se esconder, principalmente neste momento em que existe tanta transfobia aí fora;, desabafa.
Debates cotidianos
Uma grande característica das telenovelas é levantar debates cotidianos na televisão. É comum que os assuntos que estão no contexto social do país estejam pautados pelas tramas. Essas produções estão presentes nas casas brasileiras há mais de 60 anos ; hoje com menos força devido às novas plataformas de entretenimento. Segundo o Núcleo de Pesquisa de Estudos em Telenovelas da Universidade de São Paulo (USP), a representação dos personagens nas telenovelas ainda é marcada por estereótipos, mas insere questões importantes na agenda da sociedade.
Em outros momentos da história, as tramas pautaram as discussões na vida real e transformaram o lado de cá. As novelas podem ser vistas como um meio de transformação, com contribuições para as lutas cotidianas.
Memória/Relembre novelas que abordaram temas sociais e o impacto que elas causaram
1996 ; Explode coração
Com a missão de encontrar o filho perdido Gugu (Luiz Claudio Junior), Odaísa (Isadora Ribeiro) se junta ao grupo das Mães da Cinelândia, coletivo de mulheres que buscam os filhos desaparecidos. O grupo de fato existia e as imagens das crianças desaparecidas criaram um grande debate no país. A trama de Odaísa fez crescer a localização de crianças desaparecidas de 55% para 80%.
Fonte: Artigo CETVN - USP
1993 ; De corpo e alma
Paloma (Cristiana Oliveira ; foto) precisa de um transplante de coração. Com a morte cerebral de Bettina (Bruna Lombardi), seu coração é transplantado para Paloma. O índice de doadores no Brasil aumentou significativamente. O Instituto do Coração (Incor), que estava meses sem nem sequer uma doação, recebeu nove órgãos só na semana da cena do transplante.
Fonte: Memória Globo
2012 ; Cheias de charme
As discussões sobre direitos das domésticas na novela, que retratava as condições de trabalho das ;empreguetes; Maria do Rosário (Leandra Leal), Maria da Penha (Taís Araújo) e Maria Aparecida (Isabelle Drummond) fomentaram o debate público e culminaram na aceleração da aprovação da PEC n; 66/2012, conhecida como PEC das Domésticas, em abril de 2013.
Fonte: Artigo CENTV - USP
*Estagiária sob a supervisão de Vinicius Nader