O improvável encontro entre uma cosmóloga especializada em física e um apicultor, texto do dramaturgo inglês Nick Payne, fez nascer em Marília Gabriela a vontade de retornar aos palcos teatrais após dois anos afastada deles. O autor encontrou uma maneira moderna e rápida de colocar questões para repensar a condição humana. E, para a atriz e jornalista, a arte necessita que o humanismo seja um inabalável guia.
Com texto inteligente sem ser pedante, Constelações tem uma proposta inovadora. Em 48 cenas não-lineares, multiversos e universos paralelos mostram as diferenças na vida dos protagonistas quando decisões certeiras são tomadas ; e também quando deixam de ser.
Marília Gabriela apegou-se tanto ao enredo que está em turnê com o colega Sergio Mastropasqua e o diretor Ulysses Cruz sem patrocínio. ;Não podemos abrir mão de um sonho por uma situação que, espero, seja passageira;, explica a intérprete.
;É muito importante tomar as decisões quando elas aparecem;, conta. Foi o que fez em 2015, quando se desligou do SBT e logo depois do GNT, canais em que apresentava programas de entrevistas. Preferiu dedicar-se a projetos pessoais. O encantamento, agora, é com uma das mais antigas formas de fazer artístico. ;Faço teatro há 17 anos, não com a assiduidade com que pratiquei o jornalismo. Fiz algumas dramaturgias para a tevê e, no teatro, estou querendo me aplicar mais por tudo que ele envolve. O trabalho em grupo, o fato de ter a plateia na sua frente. Você vê como está dizendo as coisas e de que maneira as pessoas são alcançadas;, resume.
Constelações marca uma nova fase da sua carreira?
Depois de muitos anos de trabalho resolvi que estava na hora de parar do ;sai da frente que atrás vem gente;. Estava na hora de usufruir do agora, da companhia da minha família, dos meus passeios, da liberdade de escolha. E o teatro é uma das coisas que eu escolhi na vida e para o qual tenho me dedicado. Nos meus trabalhos anteriores, não me dediquei mais porque tinha as funções paralelas em programas de televisão. Agora estou entregue, fazendo espetáculos em que estou dizendo o que tenho vontade de dizer e convivendo. E quando a convivência em teatro dá certo é uma alegria tão grande. É uma família passageira e de uma forma ideal, aprendendo um novo ofício com gana e aplicação. Significou muito para mim.
Fazer a peça sem patrocínio é um ato de resistência?
Sim, é complicado. É claro que as pessoas que dependem de um salário estão sendo pagas, e nós dependemos de bilheteria. Às vezes é uma bilheteria legal, que dá para dividir, pagar a produção, e resta algum para os atores levarem para casa. É sacrificante, mas é bom porque é uma escolha. Trabalhei a vida toda exatamente para me ;meter; nesse trabalho, que eventualmente não dá nenhum retorno financeiro.
Seria uma forma de mostrar que é viável fazer teatro de forma independente?
Não tive a intenção de fazer disso um evento. Um cara que faz isso com extrema perícia é o Antônio Fagundes. Os últimos espetáculos dele têm sido bancados pela bilheteria. Há toda uma escolha inteligente por trás disso. O cenário, por exemplo, segue uma proposta coletiva dentro daquilo que temos dinheiro para bancar. O teatro, durante muitos anos, ficou contando com patrocínio. É claro que se tivéssemos um seria muito bom. Mas não vou abrir mão do meu sonho porque ninguém está querendo investir ou gastar dinheiro com arte e cultura. Vou parar de fazer? Não! Vou me sacrificar para fazer um trabalho de qualidade e, quem sabe no próximo, esperar que a situação no país esteja melhor, para que todo mundo consiga ser remunerado pelo seu trabalho. Estamos fazendo quase que um trabalho em que às vezes vamos ganhar, às vezes, não, sempre pensando que, quem sabe no próximo, a gente se recupere.
O teatro a tornou uma entrevistadora melhor?
Foi o contrário. As entrevistas me serviram para fazer teatro. O quesito mais importante quando alguém se dispõe a fazer teatro é o saber ouvir e eu aprendi isso fazendo entrevistas. Saber ouvir de fato, saber observar para onde vai a pessoa que está falando com você, ouvir de fato o que ela está querendo dizer para poder continuar perguntando e a entendendo, e fazendo quem assiste a essa entrevista também entender. Aprendi a ouvir bem, com muita atenção, com apreço por qualquer entrevistado. Trouxe para o teatro essa capacidade. Ouvir a plateia, o diretor, o parceiro de cena, o autor.
O contexto da peça de mostrar como múltiplas realidades podem coexistir passa alguma lição, considerando os momentos de embate sociopolítico que vivemos no país?
Pode trazer uma esperança... Distante, mas há uma esperança. Ela não é científica. É uma crença, uma fé, mais do que tudo. Acho que é quase um processo científico do que a religião propõe. Tenhamos esperança. No final dá certo se você for uma boa pessoa, se for honesto, se tiver uma conduta impecável e se preocupar com o próximo, pode ser que as coisas melhorem. Não tem a ver com o país a não ser nessa fantasia ; porque ainda o é ; de que podemos viver simultaneamente com desfechos diversos em outros lugares.
Algumas esquetes têm até cinco versões. Isso torna esse trabalho o mais complexo da sua carreira como atriz?
Isso torna o trabalho um tesão! É um desafio delicioso e também mais difícil. Tivemos uma preparação bastante desgastante e gratificante ao final. Ulysses Cruz é extremamente exigente e o processo, por vezes, foi doloroso. Brigamos muito. Mas deu certo. É o meu melhor trabalho em teatro até agora.
Constelações
No Teatro UNIP (913 Sul). Sábado, às 21h; e Domingo, às 20h. Ingressos a R$ 60 (meia, plateia inferior setores 1, 2 e 3), R$ 70 (ingresso social, para doadores de 1kg de alimento não perecível, plateia inferior), R$ 120 (inteira, plateia inferior), R$ 50 (meia, plateia superior setores 4, 5 e 6), R$ 60 (ingresso social, para doadores de 1kg de alimento não perecível, plateia superior) e R$ 100 (inteira, plateia superior), à venda nas lojas Cia Toy e Belini, e pelo site www.naoperco.com. Assinantes do Correio têm 55% de desconto na inteira. Não recomendado para menores de 12 anos.