O diretor Felipe Bragança vê na adolescência uma idade em que as pessoas são mais flexíveis e tolerantes, por isso escolheu esse momento para ambientar seu longa-metragem. Inspirado em dois contos do escritor Joca Reiners Terron, Não devore meu coração é ambientado em cidade da fronteira com o Paraguai e revisita uma parte da história do Brasil que o diretor considera fundamental para a formação da identidade brasileira.
No longa, que se passa nos dias de hoje, um adolescente se apaixona por uma índia e é irmão de um agroboy que vive um cotidiano perigoso ao se envolver com uma gangue de motoqueiros. ;O olhar adolescente é um olhar que ainda se espanta e se comove com as coisas. Para mim, atravessa muito esse lugar do juvenil, do adolescente, da descoberta mesmo. Cinema é uma aventura e acho que o olhar juvenil é sempre aventuroso. Acho que me ajuda a criar;, avisa o cineasta.
Não devore meu coração foi exibido no Festival de Sundance, no início do ano, e provocou reação que surpreendeu o diretor. O filme também esteve na mostra Generation, no Festival de Berlim. Estrelado por Cauã Reymond e Eduardo Macedo, com participação de Ney Matogrosso, o filme é um espaço no qual Bragança se debruça sobre várias questões da identidade brasileira.
Apaixonado pela índia Basano, o menino Joca se depara com um passado cruel que envolve a Guerra do Paraguai e a quase extinção da cultura guarani. ;O filme fala sobre a memória brasileira, a memória presente e a memória apagada. Fala da formação da identidade brasileira a partir do conflito com o Paraguai, do massacre do povo guarani na região que hoje é o Mato Grosso do Sul, e como isso determina muito quem nós somos;, avisa o diretor.
Ao descobrir o amor e olhar para o outro, Joca também vai confrontar a própria identidade. As origens dos habita ntes da região são um ponto de partida importante para que o personagem possa compreender seus próprios sonhos e desejos. ;O amor deles é um catalisador para você entender o imaginário da região que, no fundo, é um dos lugares que tem a fundação para entender o que é o Brasil hoje em dia. Passa por esse amor essa relação de desejo e negação da América Latina, desejo e negação da herança nativa, tudo passa por essa relação dos dois;, explica Felipe Bragança.
A boa recepção do filme em Sundance o diretor credita à temática. O público ficou surpreso ao descobrir semelhanças entre as histórias dos indígenas na América Latina e nos Estados Unidos. ;Os americanos não têm ideia das nossas origens enquanto Brasil. Pensam em outros, mas não pensam na origem indígena da nossa cultura;, diz o diretor.
Para viver o agroboy, irmão de Joca, Bragança havia convidado Cauã Reymond quatro anos antes de iniciar as filmagens. O ator leu o roteiro e gostou, mas se envolveu com outros projetos enquanto o diretor viabilizava o filme. ;E um dia ele me ligou dizendo que estava fazendo outro filme sobre motos;, conta o diretor. ;Falei que não era problema, tem muitos filmes possíveis com moto. E a gente tinha muitas cenas de perseguição de moto que precisavam de uma certa habilidade. E ele já vinha treinando. Então foi excelente.;
A noite de amanhã não é a primeira de Bragança no Festival de Brasília. Ele já esteve por aqui com A alegria, que levou os Candangos de melhor ator coadjuvante e melhor direção de arte em 2010. O carioca também tem experiência na confecção de roteiros premiados como Praia do futuro e O céu de Suely, ambos dirigidos por Karim A;nouz. ;Brasília é aquele festival que inventou todos os outros festivais brasileiros;, acredita o cineasta.
;Brasília é aquele festival que inventou todos os outros festivais brasileiros;
Felipe Bragança, diretor
Não devore meu coração
Filme de Felipe Bragança. Com Cauã Raymond, Eduardo Macedo e Adeli Benitez. Amanhã, às 19h, no Cine Brasília, só para convidados.