Camila Beatriz*
postado em 13/09/2017 07:30
Em 1924, na França, o surrealismo florescia junto às vanguardas europeias. André Breton, Salvador Dalí e René Magritte são alguns dos nomes evidenciados do movimento que, agarrado à complexidade e devaneios inconscientes, rejeitava os padrões burgueses e a tradução literal de sentimentos nas obras. Duas décadas depois, ao fim da Segunda Guerra Mundial, perdeu força para o expressionismo e, apesar de alguns artistas prosseguirem com conceitos surrealistas, a corrente teve o fim declarado. Ainda hoje, artistas contemporâneos persistem nas influências da tendência de mais de noventa anos atrás.
;Quando a arte não é óbvia, ela gera questões e força a mente humana a trabalhar;, afirma Nelson Maravalhas, pintor e professor de arte da Universidade de Brasília (UnB). ;A arte óbvia não faz as pessoas pensarem e é quase um bem de consumo, enquanto obras mais complexas recebem um ;não gostei; do público, que muitas vezes quer dizer, na verdade, ;não entendi;;, contrapõe o artista, que investe em obras que chama de concepções alegóricas.
Apesar do surrealismo ser um movimento findo, Maravalhas conta que é comum confundirem as técnicas dele com as dos artistas da década de 1920, e o mesmo acontece com outros contemporâneos. O curitibano Rafael Silveira, que levou mais de 90 mil pessoas ao Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, até o mês passado, não define o estilo das obras que cria, mas conta que, assim como as de surrealistas, elas surgem a partir do inconsciente. ;O público, às vezes, dá leituras para as obras que são muito interessantes, e as minhas têm abertura para isso porque são como um sonho que você interpreta;, afirma.
A artista Nah Singh ; ou Singh Bean, como assina ; representa, por meio de colagens, a ancestralidade sírio-libanesa do pai e indiana da mãe, a espiritualidade, os direitos animais e as minorias. Nascida em São Paulo e radicada em Praga, Nah também afirma que o inconsciente é responsável por grande parte de suas produções, e explica: ;Minha arte é espontânea. Muitos artistas fazem colagens para ser algo bonito e mostrar o brilho do mundo, o que eu não critico, mas, nos meus trabalhos, quero contar a minha história;.
Obras de mensagens completamente metafóricas e, às vezes, difíceis de entender, ainda que representem situações aparentemente impossíveis, costumam ter propósitos claros. Mesmo misturando partes de elementos diferentes para formar seres e objetos fora da realidade, as criações não são ;sem pé nem cabeça;.
Maravalhas conta que, apesar de não ter um único tema expresso nas obras, descreve mensagens e questões psicológicas e políticas nas telas. Singh resume: ;No fim das contas, eu só quero extravasar o que sinto;.
O curitibano Rafael utiliza Sorvete para explicar o significado por trás da arte que assina. A obra é uma instalação de 13 metros e de longe parece uma casquinha de sorvete comum, caída no chão e derretida, que se apresenta no formato de um sofá. ;Gosto de usar o sorvete como analogia visual do efêmero na condição humana;, explica.
Olhando de perto, é possível ver que o que derrete da casquinha possui olhos e ossos humanos, além de morangos com formato de coração, o que Rafael aponta como uma quebra lúdica da obra. O artista traduz a mensagem que deseja passar com a instalação: ;O conceito aborda a questão da urgência versus a contemplação. O que é urgente? Parar e contemplar a vida pode ser urgente? São questões filosóficas da intimidade psíquica;.
As ;inspirações;
Nelson Maravalhas faz trabalhos baseados em estudos de outsider art. ;A semelhança entre minhas obras e obras surrealistas pode ser justificada pelos meus estudos em outsider art, a arte dos marginalizados, que é uma das correntes que impulsionou o surrealismo.;
Singh Bean afirma: ;admiro artistas como a Leonora Carrigton, pintora surrealista que tem obras de situações que não existem, mas que no meu inconsciente e no meu mundo místico fazem muito sentido;.
Rafael Silveira conta que, entre os artistas de quem recebeu influências durante o desenvolvimento de trabalhos, estão os surrealistas René Magritte e Salvador Dalí, além de Giuseppe Arcimboldo, que tem também obras comparadas ao movimento artístico.
*Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira