Ao longo de quase três décadas, Mônica Salmaso construiu uma das mais bem avaliadas trajetórias na MPB. Compromissada com a cultura musical brasileira, essa sofisticada intérprete paulistana emprestou seu canto a gêneros diversos ; desde o disco de estreia, em que focalizou os afro-sambas de Baden Powell e Vinicius de Moraes.
Depois, vieram elogiados projetos, nos quais colocou em relevo a obra de mestres, como Chico Buarque (Noites de gala, samba na rua), Guinga e Paulo César Pinheiro (Corpo de baile), além de outros gravados em Voadeira, premiado, em 1999, pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA); e Alma lírica Brasileira, que a levou a conquistar o troféu de melhor cantora de MPB na 23; edição do Prêmio da Música Brasileira. Só para citar alguns deles.
No 11; disco de carreira, Mônica incursiona pelo universo da música rural, que resultou no álbum Caipira. Neste trabalho, que a permitiu interpretar criações de compositores de diferentes gerações, ela tem o acompanhamento de Neymar Dias (viola caipira e baixo acústico), Proveta (clarinete e sax tenor), Toninho Ferragutti (acordeon). Teco Cardoso produziu o CD e toca sopros. Há, ainda, a participação de André Mehmari (piano) e Robertinho Silva (percussão).
[SAIBAMAIS]Mônica conta que a ideia de gravar o Caipira é antigo. ;Sou uma pessoa urbana, nascida e criada numa megalópole chamada São Paulo, mas sempre me encantei com a diversidade. Em 2003, convidada pelo Sesc para tomar parte der um projeto temático que abria espaço para estilos musicais diversos, tive liberdade para escolher o assunto. Aí, desenhei um show voltado para a música caipira, intitulado Casa de caboclo;. Após a definição, a cantora convidou o escritor, contador de causos e violeiro Paulo Freire para participar. ;Ele morou em Urucuia (MG), conviveu com Manoelzão, personagem de conto do Guimarães Rosa, e conhece com profundidade o universo sertanejo;, revela.
Garimpo
Algumas das músicas do Caipira vêm do repertório do Casa de caboclo. Outras, segundo ela, estavam guardadas na memória, ;numa espécie de baú de afetividades;. Há, ainda, pérolas que garimpei no nosso folclore e canções que são fruto de pesquisa;. Ela cita, entre outras, A velha, o tema religioso Alvoradinha, Primeira estrela de prata (Rafael Altério e Rita Altério), Minha vida (Vieira e Carreirinho), Açude verde (Sérgio Santos e Paulo César Pinheiro) e Leilão (Hekel Tavares e Joracy Camargo).
Surpreende o fato de algumas das faixas do Caipira serem de consagrados autores da MPB que, a princípio, não teriam nenhuma relação com o tema, como o carioca Cartola e os baianos Gilberto Gil e Roque Ferreira. ;Em 2003, quando ia gravar Iaiá, disco em que o samba está em destaque, fui ao Rio de Janeiro. Indo à Lapa, assisti a um show de Teresa Cristina e nos tornamos amigas. Ela então me apresentou Feriado na roça, uma inimaginável música caipira de Cartola. A guardei e gravei agora;, comenta. Uma outra que provoca um certo estranhamento neste disco é Bom dia, rara parceria de Gilberto Gil e Nana Caymmi, composta há 50 anos.
;Eu já ia gravar no CD Água da minha sede, samba de Roque Ferreira, que ele fez com Dudu Nobre. O Roque soube e me ligou, propondo uma inédita. O repertório já estava fechado, mas quando ele cantarolou ao telefone Baile perfumado, imediatamente decidi gravá-la, mesmo tendo que deixar de fora, outra música, escolhida anteriormente;, revela.
Para Mônica, Sonora garoa, de Passoca ; outra faixa do álbum ; é um clássico caipira moderno; enquanto a moda de viola Saracura três potes (Cândido Canela e Téo Azevedo), gravada por Tonico & Tinoco e Pena Branca & Xavantinho, pertence à tradição. ;Para mim foi uma honra fazer dueto nessa música com o grande Rolando Boldrin;, frisa.
Letrista que transita com familiaridade por todos os segmentos da MPB, Paulo César Pinheiro é parceiro de Breno Ruiz na canção que dá título ao projeto. No verso inicial ele diz: ;Sou tabaréu, sou capiau, sou caipira/ É a prosa que eu trago na viola e na lira/ É do mato, é da rocha é do chão;. Ter conhecido Bruno, em Itapetininga, no interior de São Paulo, e se inteirado do trabalho que ele desenvolve contribuiu para Mônica se decidir pelo projeto.
;Mônica se apaixonou de tal forma pelo tema, que participou de praticamente todo o processo do Caipira ; da direção musical, ao lado de Teco Cardoso, à assinatura das fotos da capa e do encarte. ;Esse é meu disco caipira, com todo o respeito que eu tenho pelo Brasil mais profundo. Neste momento, é mais urgente do que nunca, respeitarmos o que somos e cuidarmos da gente;, afirma emocionada.
Crítica // Caipira (Mônica Salmaso)
Sertão ampliado
Paulo Pestana
(Especial para o Correio)