Margarida Patriota é escritora conhecida e reconhecida pelos diversos livros publicados, tanto na área da teoria literária quanto no gênero da ficção. Agora ingressa, com o livro Luminário, na seara da poesia. E ela não precisa pedir licença para sentar-se na primeira fila dos poetas brasileiros da atualidade. Quem é merecedora de admiração e respeito, por suas produções de elevado nível, jamais assinaria obra poética que não fosse de puro quilate. Como poeta, chega, portanto, com esperada maturidade, confirmando sua trajetória bem-sucedida de escritora que transita por diversos gêneros, com criatividade e domínio pleno da composição literária.
Sua poesia não é hermética, complexa ou sofisticada. Mas também não faz concessão ao fácil, ao simples nem ao lirismo espontâneo, de extração em águas rasas. Antes, seus poemas são o corolário de um trabalho cuidadoso de escolha e articulação do vocabulário, de depuração da linguagem e de sábia estruturação poemática.
Em busca de uma expressão poética contida, com efeitos semânticos inusitados, a autora constrói uma tessitura metafórica que surpreende e desafia a inteligência e a sensibilidade do leitor, com dupla provocação: a de decifrar os conteúdos e, também, a de contemplar o poema como objeto de arte, não nos moldes dos jogos visuais e sonoros do concretismo, mas na concepção de peça textual bem elaborada e arrematada com primor, seguindo a estrutura tradicional da versificação.
Concepção
A autora, que tem repertório temático diverso, mesmo quando tange o cotidiano e o comum, procura dar aos poemas expressões novas, imprevistas. É o caso, por exemplo, do poema Sentença, que traz uma concepção diferente de tudo o que se costuma ler sobre o tão decantado (e desgastado) assunto da separação amorosa: ;Partiu felino/Sem me encarar/Nem murmurar adeus/Partiu exalando/Cômodo afora/A colônia que lhe dei/Lastimável incúria/Que aprisiono sem decreto/Nem direito a fiança;; (Num alvéolo da lembrança);
Ela toma nas mãos a farinha, às vezes insossa, do imediato, do imanente, do corriqueiro, e acrescenta-lhe fermento mágico, tempero lúdico, essências enigmáticas, para inventar sabores poéticos inesperados. Equilíbrio e elegância são termos que se aplicam bem à poesia de Margarida Patriota. Equilíbrio por que, a par da ironia e das críticas que se notam em muitos poemas, tudo está dito sem exageros e sem apelos que possam incitar sentimentos ou ideias que firam o decoro literário. Equilíbrio também na expressão de sentimentos. Seu lirismo é denso e, tal como um violino de cordas tensas, bem afinadas, precisa ser tocado com olhos hábeis e ouvidos sensíveis para extrair-lhe os ritmos, a harmonia e, também, para captar-lhe os sentidos intensos.
Elegância, que anda de mãos dadas com o equilíbrio, resulta de uma linguagem que prima pela busca do teor estético acima de qualquer outra exortação semântica ou ideológica impertinente. Elegância, ainda, no tratamento refinado dos temas, na decantação da linguagem, sóbria mas sugestiva, e sempre com o respeito pelo outro, ser ou coisa, sujeito ou objeto, de sua lâmina microscópica para o exame da essência e para o diagnóstico poético.
Aliás, ;diagnóstico; é o título destes dísticos de comovente beleza pedagógico-literária (p.95): ;A distração apontava/para vista ruim/Onde havia letras, distinguia harpas/Em certos números, calafrios/Um caso óbvio de miopia/Do gênero que oculistas não operam/No fosco, discernia brilho/No tosco, requintes/O exame ocular/acabou por enxergar/Inamovíveis véus do sonho/Nos cristalinos do menino;.
Muito mais há para se comentar, para se citar e para se louvar em Laminário, livro destinado ao encantamento dos leitores e à apreciação atenta da crítica, mas ficam estas breves considerações como convite e sugestão de leitura para os amantes da boa poesia.
*Wilson Pereira é poeta, contista, cronista, ensaísta e autor de livros para crianças e jovens.
Laminário
De Margarida Patriota. Ed. 7 Letras. 110 páginas. Preço R$ 37.