A figura do escritor recluso, que prefere se manter distante de tudo, não é rara na literatura. Ermitões e casmurros sempre estiveram presentes entre os grande autores. Ninguém talvez tenha levado isso tão a sério quanto o aclamado escritor norte-americano Thomas Pynchon.
Autor de livros extensos e cultuados com fervor, Pynchon decidiu se isolar desde que lançou o primeiro romance, V, em 1963. Sem conceder entrevistas e sem aparições públicas, as únicas imagens realmente confirmadas de Pynchon são fotografias de sua juventude. Hoje, ele tem 80 anos.
Pela aura misteriosa criada em torno da figura e pela importância que a obra dele ganhou (Pynchon é considerado um dos maiores autores norte-americanos vivos), o escritor se tornou um ícone da cultura pop. Tanto que acabou participando de episódios do seriado Os Simpsons, dublando a si mesmo. Nos episódios, ele (sua representação em desenho animado, na verdade) aparece com o rosto coberto.
O romance mais recente de Pynchon, O último grito, acaba de ser lançado no Brasil pela Companhia das Letras. A trama mistura história de detetive, comédia e tons cyberpunks em 544 páginas e se passa meses antes do atentado terrorista contra as Torres Gêmeas.
Em O último grito, Pynchon apresenta Maxine, uma especialista em fraudes fiscais, que é contratada para investigar uma startup. As pistas levam a diversas situações, algumas bastante bizarras. Um novo videogame que transforma a deep web em um lugar habitável (por realidade virtual), o financiamento de terroristas e o contrabando de sorvete russo proibido são algumas delas.
Os livros de Pynchon, em geral, são bastante extensos. Uma de suas principais obras, O arco-íris da gravidade, por exemplo, tem 792 páginas na versão brasileira. A mistura de situações, como a sinopse de O último grito sugere, é uma de suas marcas. As narrativas do autor podem ter centenas de histórias paralelas e de personagens, o que as torna, muitas vezes, extremamente complexas.
Outra característica notória da literatura de Pynchon é a mistura de temas e áreas. Física, matemática, química, filosofia, história, mitologia, ocultismo, música pop, quadrinhos, cinema, drogas são assuntos que podem aparecer em um livro do autor. Tudo batido em um caldeirão que junta erudição, cultura pop e humor.
Essas características aliadas à reclusão de Pynchon fizeram com que muitos dos fãs do autor se tornassem obsessivos. Listas de discussões e fóruns na internet debatem, em milhares de mensagens, trechos e personagens de cada uma de suas obras. A Pynchonwiki (uma enciclopédia só para o autor) tem verbetes com diversas informações para todos os seus romances.
Em 1997, a CNN fez uma extensa investigação sobre o paradeiro de Pynchon. A equipe da rede de televisão chegou a localizá-lo e a filmá-lo. Pynchon ligou para a emissora e pediu que mantivessem o vídeo com sua imagem em segredo. Na conversa, declarou: ;Recluso é uma palavra inventada por jornalistas que significa: não gosta de falar com repórteres;. Posteriormente, as imagens foram exibidas, mas a CNN apenas mostrava um aglomerado de pessoas e dizia que o autor estava entre elas.
Uma figura envolta de mistério como Pynchon obviamente geraria teorias da conspiração. Com ele, foram muitas. Bob Dylan e Jim Morrison foram alguns dos apontados como o verdadeiro Pynchon. Ao que tudo indica, no entanto, o autor não é nenhum deles e apenas decidiu se manter distante de todos os holofotes possíveis.
Outros autores reclusos
No início, Pynchon chegou também a ser apontado como um pseudônimo de J. D. Sallinger. Isso porque o autor de O apanhador no campo de centeio também escolheu a reclusão. Depois do sucesso de O apanhador, Sallinger passou a fugir de fãs e de aparições públicas. Morto em 2010 aos 91 anos, Salinger passou mais de 50 anos isolado na cidadezinha de Cornish, em North H ampshire.
A poeta Emily Dickinson é outro caso de reclusão na literatura. Autora de obra reverenciada na poesia norte-america, Dickinson sempre preferiu distância do mundo exterior e passou anos com contato apenas com familiares. Não por acaso, a maioria de seus poemas só foi conhecida depois de sua morte.
[SAIBAMAIS]O Brasil também tem casos de autores que escolheram a reclusão. Dalton Trevisan, um dos mais importantes contistas e escritores do país, escolheu levar uma vida distante de fãs, entrevistas e aparições públicas. Vencedor do Prêmio Camões de 2012 e conhecido como Vampiro de Curitiba, Trevisan mantém-se distante da fama na cidade paranaense.
Mesmo que menos recluso do que os colegas, Rubem Fonseca também preferiu se manter longe dos ares da fama. Avesso a entrevistas e a falas em público, o escritor também manteve uma personalidade reservada e misteriosa. Morando no Rio de Janeiro, as aparições públicas do autor se resumem a raros eventos específicos, como a cerimônia do Prêmio Literário Casino da Póvoa, em Portugal, quando discursou sobre a sua obra.
SERVIÇO
O último grito
Thomas Pynchon. Companhia das Letras. 584 páginas. R$ 79,90.