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Em biografia, Mauricio de Sousa revela trajetória até se tornar quadrinista

'Eu pensei que faria uma biografia mais tarde, depois de pendurar as chuteiras. Mas eu não consigo parar de trabalhar', revela o escritor sobre o livro Mauricio - A história que não está no gibi

Adriana Izel
postado em 18/06/2017 07:31
'Fiquei aliviado por ter criado personagens que poderiam falar todas as línguas', afirma Mauricio
Mauricio de Sousa é o quadrinista mais famoso do Brasil. A história dos gibis no país pode ser contada antes e depois de Mauricio. ;Eu tento me manter meio fora do estado de orgulho e de vaidade, porque, efetivamente, o esquema que montei fez a diferença na história dos quadrinhos brasileiros, mas eu não inventei nada;, afirma o desenhista em entrevista ao Correio.

A trajetória profissional de Mauricio e de seus mais de 300 personagens dentro do mercado de quadrinhos é conhecida. Mas ainda há muito a ser revelado por trás do caminho traçado pelo pai da
Turma da Mônica. E é isso que o desenhista faz no livro Mauricio ; A história que não está no gibi, contado em primeira pessoa, mas escrita com auxílio do repórter investigativo Luís Colombini. Na obra, o desenhista fala da infância em Mogi das Cruzes, do encantamento pelos gibis, da veia artística, dos empregos anteriores ao desenho, da vida pessoal e do caminho até se tornar o maior quadrinista brasileiro.

Mauricio diz que a intenção inicial era lançar uma biografia apenas quando estivesse aposentado: ;Eu pensei que faria uma biografia mais tarde, depois de pendurar as chuteiras. Mas eu não consigo parar de trabalhar;. E, como uma forma de garantir que a história do ;menino que desenhava;, como ele mesmo se classifica na obra, fosse contada de forma correta, decidiu ele mesmo participar do projeto, lançado neste mês pela Editora Sextante. Ao Correio, Mauricio de Sousa conta como nasceu o livro e faz um balanço de sua trajetória de 60 anos nos quadrinhos.


Como surgiu a ideia de fazer uma biografia?
Pensei que faria uma biografia mais tarde, depois de pendurar as chuteiras. Mas eu não consigo parar de trabalhar. Aceitei uma sugestão de alguns amigos que pediram para escrever com mais profundidade. Recebi uma proposta da editora Sextante que incluía uma experiência de conversar com um jornalista, o repórter investigativo Luís Colombini. Foi legal e bacana, porque eu não ditei exatamente. Nós conversamos por quase um ano, toda segunda-feira. Fui remexendo nas memórias e buscando lembranças que estão na cabeça. Comecei a gostar de ficar contando minha história. Nos primeiros encontros, não havia uma preocupação de buscar uma cronologia. Foram saindo as lembranças da infância, da juventude, da vida adulta, dos problemas profissionais, das conquistas, das coisas que não deram certo. Além disso, há uns 10 ou 15 anos, alguns amigos me ameaçaram escrever biografias não autorizadas. Daí pensei que poderiam ser contadas três vidas diferentes.

E o que o senhor fez?
Pensei: ;preciso me vacinar contra isso;. Comecei a escrever crônicas em um jornal de Mogi das Cruzes, que, de certa maneira, eram pílulas baseadas na minha vida. Seria minha versão oficial do que passei na vida, das coisas que aconteceram, até porque, eventualmente, em uma pesquisa as pessoas podem buscar essas crônicas. São mais de 300. Depois, veio a proposta da Sextante e foi ótimo. Eu contava as histórias para o Luís, que levantava datas e informações do contexto em que eu estava naquele momento. Pudemos fazer um livro autoexplicativo. Quem viveu nos últimos 50 anos vai se lembrar e se situar e, em alguns casos, conseguir identificar as situações.

No livro, o senhor fala que, além de desenhar, cantava e foi locutor. De onde vieram tantos talentos artísticos?
Gosto de cantar. Como você deve ter visto no livro, minha mãe queria que fosse um cantor mirim. Eu era muito tímido, ficava apavorado. Mas minha mãe era meio durona, me obrigava. Eu lutava muito, batia os joelhos de nervoso, que ficava doendo. Depois, me rebelei, pendurei a chuteira de cantor. Eu tinha que fazer outra coisa na vida, eu gostava de desenhar e comecei a treinar bastante até chegar a começar a vender os desenhos.

Um dos capítulos do livro fala do encantamento do senhor com os gibis, o que, de certo modo, é irônico, porque hoje o senhor é referência no assunto...
Eu tento me manter meio fora do estado de orgulho e de vaidade, porque, efetivamente, o esquema que montei fez a diferença na história dos quadrinhos brasileiros, mas eu não inventei nada. Só segui o sistema que já era adotado nos sindicatos norte-americanos. Aproveitei que passei pelo jornal e lá recebia todo tipo de material de publicidade, propaganda e merchandising e estudei isso no meu tempo de redação. Eu queria saber como eles faziam para dominar o mundo dos quadrinhos. Nessa época, eu era repórter policial e me sobrava tempo para estudar um pouco. Gostei e vi que era possível adaptar ao Brasil, nos jornais brasileiros, e, em pouco tempo, eu estava vendendo minhas tirinhas para centenas de jornais.

Como foi esse processo até conseguir se firmar?

Eu mantive durante três anos um serviço permanente de visitação. Eu falava com jornalistas, editores. Foi um trabalho de formiguinha até conseguir atingir o Brasil de Norte a Sul. Nos jornais, como meus personagens eram infantis, meu primeiro público eram as crianças. Foi assim que criei meu público, meio na base da sorte ou da intuição. Eu não tinha a percepção de que estava formando leitores mirins, que naturalmente são os futuros leitores dos jornais, revistas e livros. Acho que colaboramos muito com a alfabetização da criançada brasileira.

O senhor se alfabetizou com gibis e hoje as pessoas fazem isso com as suas histórias. O senhor imaginava isso?
Eu não imaginava que meu público leitor principal seriam as crianças. Eu desenhava histórias para jornal, que é algo dirigido ao público adulto. Eu não percebia que pegava as crianças primeiro. Criança gosta de brincar com criança e eu estava ainda com minhas lembranças de infância. Sem perceber virei um escritor infantil. Foi uma sorte danada, eu não planejei.

Depois do sucesso no Brasil, como o senhor conseguiu expandir para o restante do mundo?

Quando eu estava com os gibis estruturados saindo com força no Brasil, percebi que estava na hora de experimentar o mercado externo. Eu tinha dúvida se poderia ser aceito. Passei a participar de eventos fora do Brasil e ganhei um prêmio máximo pela criação da Revista da Mônica, em 1970. Nessas viagens eu tinha contato com desenhistas, editores e, também, com as crianças. Naquela experimentação, eu percebi que elas se viam nos personagens, brincavam como se fossem eles, e elas entendiam a história. Nesse momento, inclusive, há um fenômeno novo. Se, antes, eram os jornais que me levavam minhas tirinhas, agora é a internet.

Como assim?
Nós produzimos o projeto Mônica toy. É um desenho animado de um minuto com a turminha. Mas não está em nenhum idioma, são só sons, efeitos especiais e sonoros. Quase cinema mudo. É um desenho com a simplificação dos traços dos nossos personagens, uma animação muito rica e com histórias engraças, que está varrendo o mundo, tem mais de um bilhão de visualizações e começou há três anos. Hoje, temos números estrondosos. Temos público no Brasil, na Rússia, nos Estados Unidos, no México... Essas são reinvenções que têm que ser feitas, não por questões estratégicas e comerciais, mas porque, na cabeça do artista, nada está completo, sempre podemos criar mais alguma coisa, acrescentar uma novidade. Eu não sei o que vem depois, mas sei que vem.

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São 60 anos de carreira e o senhor continua inovando. Como se manter tão criativo?
A cabeça da gente não para. Se achamos uma fórmula, como nós achamos aqui no estúdio de realizar e produzir o que vem na cabeça da gente, por que não usar a capacidade de invenção também para coisas novas? Enquanto estamos criando coisas vivemos dinâmicos e participando dessa dinâmica do mundo. Essa transformação é permanente. Devo dar crédito a minha maravilhosa equipe de artistas. Somos 400 pessoas em estúdio, o maior do mundo no gênero.

Por estar muito tempo no mercado, existe uma preocupação em renovar os temas?
Nós discutimos a cada dois meses. Fazemos uma reunião com os roteiristas para discutir o que estamos fazendo, o que estamos deixando de fazer, o que está acontecendo no mundo, se falta algum elemento ou tipo de mensagem que esteja na moda. Ninguém pode envelhecer na cabeça, no cérebro. É uma briga constante. Tem gente que se atrasa na evolução.

O senhor não pensa em se aposentar?
Estou acompanhando tudo, mas, felizmente e graças aos meus auxiliares e à equipe de artistas, eu posso me dedicar a novos projetos. Posso sugerir coisas novas sem a necessidade de estar preso no dia a dia, na criação obrigatória. Eu estou adorando essa nova fase por isso. Agora, a equipe que eu criei trabalha nisso. Quando se é um desenhista criativo, que cria histórias e personagens, se tem um pouco de ciúme de largar o seu desenho e seu texto na mão de outro artista. Cada vez que eu passava um tipo de atividade para um colega, era um sofrimento. Nos primeiros rabiscos, eu quase que precisava segurar nas mãos deles. Tenho desenhistas que desenham melhor do que eu.

Mauricio ; A história que não está no gibi

Mauricio de Sousa. Editora Sextante, 336 páginas. Preço médio: R$ 39,90.

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