Diversão e Arte

Em entrevista ao Correio, Arnaldo Baptista fala do relançamento de Loki

Ex-mutante conta sobre o relançamento de seu disco mais importante e sobre a relação com o irmão Sérgio Dias

Nahima Maciel
postado em 03/06/2017 07:33

Arnaldo Baptista fica emocionado quando pensa em quem era há 43 anos. Algumas coisas mudaram. Muitas, na verdade. O ex-Mutante virou vegetariano e, segundo ele, isso faz muita diferença na maneira como encara a vida e o amor. Mas a música, ele continua a enfrentar com as mesmas exigências da época dos Mutantes. Quando subir ao palco da Caixa Cultural hoje para o show Sarau o Benedito?, Baptista só lamenta não poder contar com PAs com um amplificadores valvulados, aparelho que, ele acredita, pode mudar a maneira como público ouve a música.

Sarau o Benedito? é um show antigo, mas o repertório pode mudar. São Arnaldo Baptista e o piano rodeados de obras do próprio músico. É Arnaldo Baptista psicodélico como nunca deixou de ser, porém mais completo, feliz e, dessa vez, em companhia de um velho (e sofrido) amigo: o músico está relançando Loki, o primeiro disco feito depois de se separar dos Mutantes.

Loki nasceu do sofrimento e da incerteza. Em 1974, Baptista estava inseguro. Não tinha certeza de ser capaz de levar adiante uma carreira solo, não sabia ao certo quais seriam os próximos passos como músico e estava com o coração destruído após o fim do relacionamento com Rita Lee. O disco reflete tudo isso, especialmente nas letras nas quais o músico desfila versos como ;o que é isso, meu amor?/Será/ que vou virar bolor?; . Loki é Arnaldo, o piano e uma sequência dissonante e psicodélica de acordes fantásticos. No final, um violãozinho, só para mostrar que o músico é um multi-instrumentista capaz de tocar de tudo. ;Na época em que lancei foi uma espécie de exploração, eu não sabia se existiria mercado para esse tipo de música. Quando foi lançado, eu não tinha muita expectativa;, conta.

O disco fez sucesso com a crítica, mas não vendeu bem. Hoje, olhando para trás, Baptista acha que foi mal divulgado, embora tenha virado um disco cult. ;O André Midani, que direcionava o alcance dos LPs (na Universal), direcionou isso para o lado meio de deixa passar, obscuro, rebelde. Com pouca publicidade. Agora, talvez isso esteja sendo feito com mais profundidade;, acredita.

Brigado com o irmão Sérgio Dias, detentor dos direitos dos Mutantes e último integrante original da banda brasileira de maior sucesso dos anos 1970, ele diz, em entrevista, que não sonha em voltar para o grupo. Também explica por que não gosta da guitarra de Dias e confessa que tem mágoa de Rita Lee, que não poupou nem a si mesma em autobiografia lançada no ano passado.


Entrevista/ Arnaldo Baptista


Por que relançar Loki em vinil?

Tenho a impressão de que é uma espécie de reflexo do interesse do mercado no sentido de consumir-me. Nesse sentido decidiram relançar o LP. Não sei o resultado de vendagem, mas há uma esperança. E isso está sendo interessante, esse lado que eu chamo de me conhecer. O Loki é o disco pelo qual sou mais conhecido é isso vai se refletir nos shows que vou fazer em Brasília. Vai ser bom. O vinil é interessante: quando você está ouvindo o CD e quer ouvir uma música que é a quinta, você tem que ouvir cinco músicas para chegar à quinta. O vinil possui uma reverberação no som que é diferente do CD.


Loki é um disco contínuo, com uma história, uma suíte. Pular as músicas não interrompe essa ideia?
Quando a gente está fazendo um LP, quando tá criando, lembro na época dos Mutantes, a gente tem que respeitar isso um pouco. Se tá sendo fraco, se tá sendo forte, se tá sendo poético. Então, nesse sentido, a gente tem que ouvir com unidade. É que nem livro de poesia.


Você é filho de uma pianista (a compositora Clarisse Leite) que criou técnica de aprendizado do piano. Que reflexo isso tem no seu piano? Tem um pouco de Bach em Loki?
Isso é interessante. Talvez devido à minha criação. Eu sempre ouvia Bach, desde criança. E como não sei ler música muito bem, eu decorei isso, faz parte da minha formação artística o conhecimento dessas peças. Exatamente, está lá.


Você concorda com Rita Lee que a guitarra de Sérgio Dias é 95% técnica e 5% alma?
É um pouco isso. O Sérgio tem isso mesmo. Acho meu irmão Sérgio um pouquinho burro. Ele declarou na imprensa: ;o Arnaldo odeia a minha guitarra;. Não é nada disso. Ele tem uma guitarra maravilhosa que tem uma regulagem maravilhosa, mas ele regula errado a guitarra maravilhosa. Não é que não gosto da guitarra. Não gosto do jeito que ele usa a guitarra. É só isso.


Liminha diz que Sérgio reivindicava a liderança dos Mutantes, mas que o líder mesmo era você. Era mesmo?
Não concordo muito. Durante os ensaios, o Sérgio tinha um lado de pouca humildade e ele levava adiante isso, então o ensaio dos mutantes parecia um pouco um conservatório. Ele falava ;agora começa isso;, ;agora começa aquilo;. Não tinha uma liberdade de criação. Sempre foi assim. Eu não era o diretor. Talvez fosse no sentido de composição, ideias, mas de um modo mais geral, era o Sérgio.


Mas isso te incomodava?
Me incomodou sim, até o ponto de o Sérgio usar, nos Mutantes, uma guitarra que eu não gosto. É uma Fender que, no espectro sonoro, é muito som sem grave e sem agudo. E o Liminha também, usava um contrabaixo marca Rickenbacker, mas que acho que não gosto do som. Não tem saída forte, é fraquíssimo. Eu prefiro Gibson. Então, nesse sentido, a gente não possuía uma comunicação grande.


E o piano, qual o lugar dele na sua vida?
O piano possui o grave do contrabaixo, o agudo da flauta e da guitarra e o médio da voz. O piano controla todas as áreas da criação musical. Já os outros instrumentos não. Guitarra não tem grave. Contrabaixo não tem agudo. Bateria não tem tom. Os outros instrumentos são o lado parcial e a gente tenta imaginar o resto.


Por que você sonha em tocar com um amplificador valvulado?
Não existe nenhum amplificador valvulado em nenhum PA. Por isso não faço shows. E nem eles alugam nenhum amplificador valvulado. Então esse é um lado que identificaria-se com minha pessoa se, no Brasil, a gente conseguisse alugar amplificadores valvulados. Mas não existe. E é uma coisa que todo conjunto faz. A última turnê dos Mutantes na Europa inteira foi só com amplificadores modulados e eu não gostava, mas ainda assim fiz umas 10 cidades no mundo.


O que te incomodou na biografia da Rita Lee?
Uma coisa que gostaria de dizer é que nunca vou ler esse livro da Rita Lee. Acho que a Rita Lee é uma pessoa muito mentirosa no que se refere a mim. Então eu prefiro não falar a respeito disso que nunca vou conhecer e não posso opinar a respeito do que não conheço.


Qual a distância hoje entre o Arnaldo do Loki de 1974 e o de agora?
Isso me deixa exultante a respeito da resposta. Não tenho consciência total da diferença que possa ter entre eu antigamente e eu agora. Hoje, tenho a impressão que estou mais focalizado no que eu quero do que antes. Antes, eu ficava mais focalizado no sucesso, em possuir uma vida sem Mutantes. Hoje, tou mais focalizado em conseguir algo que tenha a ver com meu ego no sentido musical.


Você está compondo alguma coisa?
Estou compondo e acabando de gravar esse meu LP que vai sair em breve. Talvez esse LP venha a refletir a diferença entre o que eu era no Loki e o que eu sou agora. Lembro que não era vegetariano, agora sou. Talvez isso reflita um pouco meu lado filosófico. Isso talvez tenha mudado meu modo de ser.


O que mais ser vegetariano mudou em você?
Talvez o lado dedicado ao amor. Que agora estou mais focalizado no que quero. Antigamente era mais o lado da sedução, do sucesso. É mais fácil a sedução do que o amor em si.


O Arnaldo de Loki era o sedutor e o Arnaldo de hoje é uma pessoa que ama?
Pode se dizer que sim. Era um sedutor e um seduzido.


Por quem?
Por algo que as meninas possuem no sentido de aceitar algo que não queria devido à beleza e tal.


Por que virou vegetariano?
Devido ao amor. A Rita não era, então eu não ligava muito para esse lado de cozinha, temperos e etc. Mas minha menina Lúcia tem isso. O iridólogo falou para mim que todas as células do corpo se renovavam depois de sete anos e já faz mais de sete anos que sou vegetariano. Creio que mudei devido ao amor.


Tem vontade de escrever uma autobiografia?
Ah, boa pergunta. Tenho, mas como minha vida muda atualmente bastante, prefiro esperar que ela mude mais. Tenho vontade, só não sei quando começo.


Sarau o Benedito?
Show de Arnaldo Dias Baptista. Hoje, às 20h, e amanhã, às 19h, na Caixa Cultural (SBS Quadra 4 Lotes 3/4 ; Edifício anexo à Matriz da Caixa). Ingressos: R$ 20,00 e 10,00 (meia)

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