Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Grafiteiro Kleber Cianni critica a padronização da sociedade

Nascido em Brasília e radicado em Florianópolis, o artista levanta importantes questões sociais

Foi da filosofia que Kleber Cianni tomou emprestado o conceito que norteia os personagens Vaca, Barba e Pontifex. As três figuras costumam andar por aí pelos muros de Florianópolis, mas há algum tempo se ausentaram das ruas para ocupar as galerias. Vaca Barba e Pontifex são os protagonistas de Normose, exposição em cartaz no Museu Nacional da República que fala de um conceito que, para Cianni, explica muito a sociedade contemporânea.


A normose é uma ideia idealizada pelo filósofo Jean-Yves Leloup e pelo psicólogo Pierre Weill. Segundo eles, trata-se de um mal da sociedade contemporânea no qual a normalidade é regra que ajuda a manter a padronização e a eliminar as individualidades. ;É a patologia da normalidade, uma doença do milênio;, explica Cianni. ;É baseada no princípio de que a pessoa, não aceitando quem ela é, assassina esse ser para se tornar uma coisa normal, para se inserir em uma sociedade que não aceita nada diferente e tem um pensamento padronizado.;

Nascido em Brasília e radicado em Florianópolis, para onde foi com o propósito de surfar, o artista criou três personalidades que representam o despertar da consciência para a existência da normose. ;A Vaca é a normose em si;, explica, ao fazer uma analogia com o animal levado para pastar diariamente para depois voltar ao curral, sempre com a cabeça baixa e inserido numa rotina na qual não tem escolha.

[SAIBAMAIS]



Para o Barba, Cianni criou uma cara de susto que representa um despertar, um acordar para o quanto ele se anula com o objetivo de se encaixar nos padrões sociais. O Pontifex, inspirado em personagens da Grécia antiga que se dedicavam a construir pontes, tem uma rosa no lugar do olho porque não precisa ver. Ele já estaria desperto e consciente de sua individualidade e, exatamente por isso, também possui asas. ;São três momentos de uma história;, explica Cianni. ;O personagem está alienado, depois descobre que é normótico, ganha conhecimento e passa a ter alguma chance de viver.;

Produzido em estêncil, o trabalho traz os personagens em diversas situações e expressões e reproduz um pouco do que Cianni costuma fazer na rua. Quando está na posição de grafiteiro, o artista assina Sifud. O ;d; é mudo, mas é também uma provocação. ;Tem essa dualidade da palavra mesmo. Minha arte sempre teve essa coisa, esse poder de denúncia, essa sensação será que ninguém tá vendo isso?;;, explica. Quando levou os desenhos da rua para a galeria, Cianni percebeu que havia algo a ganhar nas dimensões. Na rua, o espaço pode ser restrito e imprensado entre um e outro desenho. Na galeria, ele ocupa um espaço único e próprio. O artista começou, então, a fazer desenhos maiores, com 4m de altura. ;O público passa a se envolver muito mais;, acredita.

Cianni passou os últimos dois anos no ateliê, produzindo os 14 trabalhos que trouxe a Brasília. Eventualmente, ainda visita as ruas de Florianópolis para grafitar. Aos 39 anos, ele constata que a situação do grafite mudou bastante nos últimos anos. A arte da rua chegou às galerias com um recado de que também pode ser apreciada em espaço mais formais. ;A rua está totalmente entrando nas galerias e isso está sendo muito discutido, mas acho que isso está dando opções para os artistas que não ganhavam nada e hoje podem ganhar algum dinheiro com isso;, avalia Cianni.


Normose
Exposição de Kleber Cianni. Visitação até 2 de julho, de terça a domingo, das 9h às 18h30, no Museu Nacional (Setor Cultural Sul, lote 2, próximo à Rodoviária do Plano Piloto).