Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Nelson Xavier: vida intensa e engajada foi multiplicada nas artes

Morto na madrugada de quarta, o ator viveu de personagens violentos aos mais cândidos tipos, sem nunca perder a excelência

Ao interpretar o representante máximo do espiritismo, no Brasil, em Chico Xavier (2010), o ator Nelson Xavier se disse tomado por uma comoção que não lhe abandonava. ;Tenho a lua em áries, então a emoção me leva às lágrimas, com facilidade;, confessou, ao Correio, durante a divulgação daquele blockbuster brasileiro orçado em R$ 12 milhões. Para além do personagem ; que, segundo ele, veio a afunilar sua compaixão, seu amor e sua tolerância ;, Nelson se emocionava, ainda, por ter debelado câncer de próstata, numa luta estendida desde 2004. Aos 75 anos, em Uberlândia (MG), o ator morreu, ontem, em decorrência de problemas respiratórios. O corpo foi levado para o Rio de Janeiro, para ser cremado.

Nelson teve carreira que contemplou extremos, numa trajetória em que realizou obras com muitas diretoras do porte de Sandra Werneck, Tizuka Yamasaki e Monique Gardenberg. Mas, ao mesmo tempo, encarou tipos durões, sob direções masculinas ; tendo sido imortalizado pela composição de Virgulino Ferreira, na série de tevê Lampião e Maria Bonita (1982), em que contracenava com Tânia Alves. O personagem ecoou ainda no longa de comédia O cangaceiro trapalhão (1983).

O rigor de uma vida dedicada às artes rendeu inúmeros prêmios, com relevância para os mais recentes, em Comeback (melhor ator no Festival do Rio) e A despedida (Kikito de melhor ator, em Gramado). O goiano Érico Rassi, que dirigiu o primeiro, conta que Nelson brigou muito pelo papel. ;Por ter uma visão aguda do Brasil, ele conversou bem com a proposta reflexiva do pistoleiro sarcástico apresentado no longa. Nelson tinha a visão do país algo precário, e colocou, em camadas, isso na interpretação dele;, disse, em torno do longa com estreia prevista para o dia 25 de maio. As filmagens ocorreram em Anápolis, há quatro anos, quando o protagonista estava na tevê, na pele de um monge budista, em Joia rara.

Atualmente, com reapresentação na telinha, a novela Senhora do destino marcou um dos êxitos na carreira de mais de 20 novelas. Outras aparições destacadas foram em A favorita (2008), Belíssima (2005) e Estrela-guia (2001). Entre as séries, Nelson obteve papéis importantes, como em Riacho Doce (1990), baseada em obra de José Lins do Rego; O pagador de promessas (de Dias Gomes) e Tenda dos milagres (1985), adaptada de Jorge Amado.

Expoentes da estatura de Amado, que deu base ainda para Seara vermelha (1964), do qual Xavier participou, e de Ruy Guerra, um parceiro em várias ocasiões, renderam certa projeção em coproduções internacionais. Vindo do politizado Teatro de Arena, o ator paulistano escreveu peças engajadas (Mutirão em novo sol e O segredo do velho mundo), além de ter se animado em ações de entidades como o Movimento de Cultura Popular e o Centro Popular de Cultura. Com o policial Cidade ameaçada (1959), Nelson representou o Brasil, como ator, no Festival de Cannes.

O teor político se afirmou em muitas presenças de Nelson Xavier no cinema. Os fuzis (1963), assinado por Ruy Guerra, foi um dos exemplos de fita sobre injustiça social ou de crônica aguda. Nessa linha, esteve em Dois perdidos numa noite suja (1970), Vai trabalhar, vagabundo (1973) e O testamento do sr. Nepomuceno (prêmio de melhor ator em filme latino, no Festival de Gramado, atribuído em 1997). O diretor Leon Hirszman também deu substância à carreira do ator, imortalizado em títulos como Eles não usam black-tie (1981) e A falecida (1965). Trash: a esperança vem do lixo (2014) foi dos últimos papéis em cinema, sob comando do inglês Stephen Daldry.

Ponto alto
Com prêmios de ator atribuídos em Portugal, na Alemanha e nos Estados Unidos, além da conquista do Kikito de melhor ator em Gramado, Nelson Xavier teve um dos mais expressivos papéis em A despedida (2014), de Marcelo Galvão. Na fita, ao som de Esses moços e acompanhado por Juliana Paes, Nelson vive um idoso muito às vias da morte. De Los Angeles, o diretor Marcelo Galvão comentou sobre a satisfação de ter tido Xavier no elenco.

;Ele era firme na hora de expressar pensamentos. Pesava a experiência e a inteligência diferenciada. Curiosamente, o convidei, por carta, para viver o papel. Ele teve coragem, pela proximidade com o tema da morte, num período em que vivia a experiência da quimioterapia e da complicação de ver amigos partirem. Nelson era um apaixonado pela arte e pelo cinema. Apesar da idade, ele queria sempre aprender, mas, no fim, sempre ensinava. Fiel aos ideais, com um coração imenso e sensível, foi uma figura aberta e afável;, comentou o cineasta.



Projeção capital
Ator de sucessos ancorados ainda pela presença de Sônia Braga, entre os quais Gabriela (1983), Luar sobre Parador (1988) e Dona Flor e seus dois maridos (1976), Nelson Xavier teve intensa participação no mais tradicional do Brasil, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Confira, abaixo, títulos dos quais Xavier participou:


A falecida (1965)

Os deuses e os mortos (1970)

Jardim de guerra (1970)

A culpa (1971)

A rainha diaba (1974)

Marília e Marina (1976)

Soledade, a bagaceira (1976)

A queda (1978), Candango de melhor ator

A rainha do rádio (1979)

O mágico e o delegado (1983), Candango de melhor ator

Césio 137 ; O pesadelo de Goiânia (1990)

Lua Cambará ; Nas escadarias do palácio (2002)