Diversão e Arte

Mostra 'Aventura Antonioni', no CCBB, exalta obra de cineasta italiano

Com mais de 40 filmes selecionados, entre curtas e longas-metragens, mostra no CCBB celebra o cinema de um dos maiores diretores de cinema do século 20

Ricardo Daehn
postado em 03/05/2017 06:01
Antonioni foi um dos cineastas que inventaram o cinema moderno. Monica Vitti em cena do filme 'A Aventura', de Michelangelo Antonioni
Com um elenco invejável, que incluiu estrelas, como Alain Delon, Vanessa Redgrave, Fanny Ardant, Marcello Mastroianni, Jack Nicholson e Jeanne Moreau, um homem rompeu limites com filmes que, esteticamente, transfiguraram a sétima arte. Com planos longos harmonizados com pesado silêncio, o italiano Michelangelo Antonioni ficou, dada a intensidade e o impacto de sua arte, muitas vezes, simplificado como o encenador do tédio e o poeta da burguesia apartada pela incomunicabilidade. Rever estes conceitos está entre as propostas da mostra Aventura Antonioni, a partir de hoje, com sessões no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
[SAIBAMAIS]
;Antonioni foi um dos cineastas que inventaram o cinema moderno. Contribuiu com o tratamento dado ao espaço, às formas, à composição do quadro e à plástica da imagem. Entre os herdeiros contemporâneos dele, estão os que fazem o cinema mais interessante da Ásia: Tsai Ming-Liang, Wong Kar-Wai, Wang Bing e Hou Hsiao-Hsien;, observa o curador da mostra, o crítico de cinema Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida.

O evento do CCBB dará chance de conferir títulos raros da filmografia de Antonioni, entre os quais Crimes da alma (1950), A dama sem camélias (1953) e Os vencidos (1953). ;China (1972) também é um filme difícil de encontrar, pela longa duração, de mais de três horas e meia, e por ser um documentário em meio à fase, de ficção, mais conhecida da carreira do diretor;, explica o curador.

Variedade

Donos de trejeitos introspectivos, os tipos postos nas telas por Antonioni abraçaram pluralidade de ambientes, que foram daquele que assentou a cisão apresentada pela contracultura (em Zabriskie point) ao que exaltou o erotismo e a sensualidade, nos casos de fitas como Identificação de uma mulher (1982) e Além das nuvens (1995, em codireção com Wim Wenders); isso sem deixar de lado sobreposições e trocas de identidade (A aventura, de 1959, e O passageiro ; Profissão: repórter, de 1974).

;O diretor ainda teve um período neorrealista em que, na verdade, ele já rompia com o neorrealismo por causa dos personagens com camadas internas destacadas;, acrescenta Paulo de Almeida.

Na era do preto e branco, 30 anos antes de Antonioni ser vítima de um derrame (ocorrido na década de 1980), enredos de crimes refinados moldavam a carreira do cineasta, morto aos 94 anos, em 2007. Diretor dos sentimentos fragmentados, das tramas de amores dissolvidos, o italiano comandou uma célebre trilogia, que alinhou títulos como A noite (1960), vencedor do Urso de Ouro de melhor filme, em Berlim.

Além da rudeza e de alguns dissabores reservados a tipos da vida real (como no curta Gente do pó, de 1947) e da ficção (no longa O grito, de 1957), Antonioni soube intrigar em fitas enigmáticas, como a do crime acobertado em Blow-up ; Depois daquele beijo (1967), filme vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes. Muitas vezes angustiadas, as personagens femininas do mestre tiveram incontáveis representações, sob o talento da musa Monica Vitti. Adúlteras, sofredoras ou sensuais, as mulheres criadas por Antonioni povoaram títulos como As amigas (1955), Amor na cidade (num curta embutido em longa de 1953) e Eros (2004), outro caso de filme menor.
Três perguntas / Adriano Aprà, historiador e crítico de cinema europeu

Como o uso de cores afetou o cinema de Antonioni?
Na verdade, Antonioni trabalhou com subjetividade a cor, especialmente em O deserto vermelho (1964), trocando em escala extensa as cores objetivas registradas nas cenas filmadas. Trocas parecidas também foram adotadas em Blow-up (1966), em proporções menores. Muito significativa, neste prisma, é a sequência sexual, feita no deserto, em Zabriskie point (1969). A intervenção de cores em O mistério de Oberwald (1980), com distorções eletrônicas, só não foi mais gritante, diante das limitações técnicas dadas à época. Contribuição real, em termos de cor houve em O deserto vermelho. Noutros filmes, o foco dele habitava locações, figurinos e objetos. O quadro de análise é bem diferente no caso dos dons de pintura exercidos por Antonioni: ele tem estilos bem diversos, em séries como Le montagne incantate e Il silenzio a colori.

Enquanto Ingmar Bergman foi o rei da dramaturgia
verbal, Antonioni
foi o esteta mais depurado?
Antonioni foi o maestro do emolduramento. Cada sequência dele é ímpar no cinema. Há rigor em muitos dos ângulos. Nem por isso, os diálogos dele perdem o valor (há corrente que diz que são ridículos, aliás). A elaboração dos diálogos seguiam uma total falta de objetividade. Existia um encadeamento: os espectadores, porém, tendem a assimilar melhor as distorções visuais, quando comparavam com a realidade.

O quão errado foi chamá-lo de o poeta do tédio?
Estou em desacordo com o apelido. Antonioni foi um cineasta de fundo experimental na exploração de seu gênero: pairou acima do posto de vanguarda; rompeu barreiras como Griffith (Intolerância), Eisentesin (Outubro) e Abel Gance (Napoleão). A escala de experimentos foi agigantada. Tudo na chave da quietude: ele não foi um diretor fácil para o público, ainda que, nos cinemas, seus filmes fossem aclamados. A monotonia faz parte da vida, com momentos mortos, aparentemente, sem sentido. Mas Antonioni vasculha o sentido por trás da realidade objetiva. Um enorme exemplo: as cenas de abertura e de encerramento de O eclipse, que são verdadeiras obras de arte. É algo encadeado no título de sua última obra Além das nuvens (1995); quer dizer: perseguimos o sentido para além do que seja invisível. Nunca alcançaremos.

SERVIÇO
AVENTURA ANTONIONI
Centro Cultural Banco do Brasil Brasília (SCES, Tr. 02, Lt. 22). De hoje a 29 de maio, com horários variados. Hoje, às 17h, Um piloto retorna (com roteiro assinado por Michelangelo Antonioni) e às 19h, O abismo de um sonho (de Federico Fellini, sob inspiração de curta de Antonioni). Ingressos, R$ 10.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação