Com um elenco invejável, que incluiu estrelas, como Alain Delon, Vanessa Redgrave, Fanny Ardant, Marcello Mastroianni, Jack Nicholson e Jeanne Moreau, um homem rompeu limites com filmes que, esteticamente, transfiguraram a sétima arte. Com planos longos harmonizados com pesado silêncio, o italiano Michelangelo Antonioni ficou, dada a intensidade e o impacto de sua arte, muitas vezes, simplificado como o encenador do tédio e o poeta da burguesia apartada pela incomunicabilidade. Rever estes conceitos está entre as propostas da mostra Aventura Antonioni, a partir de hoje, com sessões no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
[SAIBAMAIS]
;Antonioni foi um dos cineastas que inventaram o cinema moderno. Contribuiu com o tratamento dado ao espaço, às formas, à composição do quadro e à plástica da imagem. Entre os herdeiros contemporâneos dele, estão os que fazem o cinema mais interessante da Ásia: Tsai Ming-Liang, Wong Kar-Wai, Wang Bing e Hou Hsiao-Hsien;, observa o curador da mostra, o crítico de cinema Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida.
O evento do CCBB dará chance de conferir títulos raros da filmografia de Antonioni, entre os quais Crimes da alma (1950), A dama sem camélias (1953) e Os vencidos (1953). ;China (1972) também é um filme difícil de encontrar, pela longa duração, de mais de três horas e meia, e por ser um documentário em meio à fase, de ficção, mais conhecida da carreira do diretor;, explica o curador.
Variedade
Donos de trejeitos introspectivos, os tipos postos nas telas por Antonioni abraçaram pluralidade de ambientes, que foram daquele que assentou a cisão apresentada pela contracultura (em Zabriskie point) ao que exaltou o erotismo e a sensualidade, nos casos de fitas como Identificação de uma mulher (1982) e Além das nuvens (1995, em codireção com Wim Wenders); isso sem deixar de lado sobreposições e trocas de identidade (A aventura, de 1959, e O passageiro ; Profissão: repórter, de 1974).
;O diretor ainda teve um período neorrealista em que, na verdade, ele já rompia com o neorrealismo por causa dos personagens com camadas internas destacadas;, acrescenta Paulo de Almeida.
Na era do preto e branco, 30 anos antes de Antonioni ser vítima de um derrame (ocorrido na década de 1980), enredos de crimes refinados moldavam a carreira do cineasta, morto aos 94 anos, em 2007. Diretor dos sentimentos fragmentados, das tramas de amores dissolvidos, o italiano comandou uma célebre trilogia, que alinhou títulos como A noite (1960), vencedor do Urso de Ouro de melhor filme, em Berlim.
Além da rudeza e de alguns dissabores reservados a tipos da vida real (como no curta Gente do pó, de 1947) e da ficção (no longa O grito, de 1957), Antonioni soube intrigar em fitas enigmáticas, como a do crime acobertado em Blow-up ; Depois daquele beijo (1967), filme vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes. Muitas vezes angustiadas, as personagens femininas do mestre tiveram incontáveis representações, sob o talento da musa Monica Vitti. Adúlteras, sofredoras ou sensuais, as mulheres criadas por Antonioni povoaram títulos como As amigas (1955), Amor na cidade (num curta embutido em longa de 1953) e Eros (2004), outro caso de filme menor.
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Como o uso de cores afetou o cinema de Antonioni?
Na verdade, Antonioni trabalhou com subjetividade a cor, especialmente em O deserto vermelho (1964), trocando em escala extensa as cores objetivas registradas nas cenas filmadas. Trocas parecidas também foram adotadas em Blow-up (1966), em proporções menores. Muito significativa, neste prisma, é a sequência sexual, feita no deserto, em Zabriskie point (1969). A intervenção de cores em O mistério de Oberwald (1980), com distorções eletrônicas, só não foi mais gritante, diante das limitações técnicas dadas à época. Contribuição real, em termos de cor houve em O deserto vermelho. Noutros filmes, o foco dele habitava locações, figurinos e objetos. O quadro de análise é bem diferente no caso dos dons de pintura exercidos por Antonioni: ele tem estilos bem diversos, em séries como Le montagne incantate e Il silenzio a colori.
Enquanto Ingmar Bergman foi o rei da dramaturgia
verbal, Antonioni foi o esteta mais depurado?
verbal, Antonioni foi o esteta mais depurado?
Antonioni foi o maestro do emolduramento. Cada sequência dele é ímpar no cinema. Há rigor em muitos dos ângulos. Nem por isso, os diálogos dele perdem o valor (há corrente que diz que são ridículos, aliás). A elaboração dos diálogos seguiam uma total falta de objetividade. Existia um encadeamento: os espectadores, porém, tendem a assimilar melhor as distorções visuais, quando comparavam com a realidade.
O quão errado foi chamá-lo de o poeta do tédio?
Estou em desacordo com o apelido. Antonioni foi um cineasta de fundo experimental na exploração de seu gênero: pairou acima do posto de vanguarda; rompeu barreiras como Griffith (Intolerância), Eisentesin (Outubro) e Abel Gance (Napoleão). A escala de experimentos foi agigantada. Tudo na chave da quietude: ele não foi um diretor fácil para o público, ainda que, nos cinemas, seus filmes fossem aclamados. A monotonia faz parte da vida, com momentos mortos, aparentemente, sem sentido. Mas Antonioni vasculha o sentido por trás da realidade objetiva. Um enorme exemplo: as cenas de abertura e de encerramento de O eclipse, que são verdadeiras obras de arte. É algo encadeado no título de sua última obra Além das nuvens (1995); quer dizer: perseguimos o sentido para além do que seja invisível. Nunca alcançaremos.
SERVIÇO
AVENTURA ANTONIONI
Centro Cultural Banco do Brasil Brasília (SCES, Tr. 02, Lt. 22). De hoje a 29 de maio, com horários variados. Hoje, às 17h, Um piloto retorna (com roteiro assinado por Michelangelo Antonioni) e às 19h, O abismo de um sonho (de Federico Fellini, sob inspiração de curta de Antonioni). Ingressos, R$ 10.