Antes mesmo de pensar em ser cineasta, o renomado Jim Jarmusch sempre teve muito apreço pela poesia, a ponto de ter cursado letras na Universidade de Columbia. A queda pela poesia levou Jarmusch ao mundo explorado em Paterson, longa em cartaz em Brasília, que completa a curiosa conjuntura de um trio de filmes ligados à literatura. Com Paterson, Além das palavras e Stefan Zweig ; Adeus, Europa completam a lista de filmes detidos em temas de poesia e prosa.
Movido pelos interesses tanto na trajetória do poeta da geração beat Allen Ginsberg ; ex-morador de Paterson (Nova Jersey), quanto pelos escritos de William Carlos Williams (que criou o monumental poema Paterson, dissolvido em cinco volumes) ; o cineasta Jarmusch fez valer o aprendizado do ex-professor e dramaturgo Kenneth Koch: ;Ele nos ensinou o valor de ser brincalhão, a apreciar obras de outros poetas, a valorizar todas as formas de expressão;.
Nessa perspectiva, criou Paterson, filme que competiu no Festival de Cannes e mostra a vida cotidiana dos personagens de Adam Driver (Star wars: O despertar da força) e Golshifteh Farahani. ;O filme foi planejado como uma celebração da poesia de detalhes, variações e interações diárias;, explicou, à época do lançamento, o despretensioso Jim Jarmusch. Morador de Paterson, o personagem-título é um poeta amador que, motorista de ônibus, recolhe das andanças pedaços de conversas alheias, mantém um caderno de poemas, passeia com o genioso cachorro e bebe cervejas, ao tempo em que ama Laura.
No roteiro de Paterson, tudo vem embrulhado como cotidiano. Para o filme, o diretor arregimentou o poeta Ron Padgett e inseriu poemas na narrativa, sem intenção de instaurar um grande conflito entre o casal, numa estrutura simples e que agrupa sete dias. Jarmusch admite que quis um antídoto para o ;cinema sombrio;, predominante, em muito apoiado em ação ininterrupta. Preferiu cercar o dia a dia de uma cidade quase esquecida, no mesmo caso de Além das palavras, filmado tanto em Amherst (uma cidade universitária) quanto em lugarejos da Bélgica. O centro do enredo do longa, comandado por Terence Davies e em cartaz na cidade, está no retrato de Emily Dickinson, poeta moderna, atuante na Massachusetts do século 19.
Autora de poemas como Morri pela beleza e A dor tem um elemento de vazio, Dickinson, com espírito comedido e prudente, soube se libertar da submissão reservada às mulheres da época. Tudo feito com bases modestas, como revela trecho de poema musicado por Zeca Baleiro: ;Não sou ninguém! Quem é você? / Ninguém ; também? / Então somos um par? / Não conte! Podem espalhar!”.
Repudiando viés submisso ou solene para o retrato da solitária poeta, valorizada apenas após a morte e por uma vida dedicada aos pais e irmãos. ;O diretor do filme a viu como ferozmente engraçada. Dickinson tinha um senso de observação inclemente. À discrepância entre o real e o que é idealizado, pode- se optar entre a depressão e um senso de humor afiado, algo que ela preferia;, explicou a protagonista do filme, Cynthia Nixon, à revista The New Yorker.
Também nas telas da cidade, um romancista, ensaísta e poeta austríaco é lembrado em Stefan Zweig ; Adeus, Europa. Dirigido pela também atriz Maria Schrader (de Aimée & Jaguar), Zweig ; com personagem que foi objeto de inspiração para Wes Anderson, em O grande Hotel Budapeste e com obra adaptada por Max Ophüls, em Carta de uma desconhecida ; mostra a trajetória final do escritor judeu que recorreu ao suicídio, no Brasil, em 22 de fevereiro de 1942. Oprimido pelo levante nazista dos anos de 1930, ele buscou exílio no Brasil, ao ver ;a Europa se destruindo;. Celebrado por obras como O mundo que eu vi ; Memórias de um europeu (1942), Zweig se encontrou com ;forças exauridas, pelos longos anos de constante errância;, optando pelo suicídio.
Duas perguntas / Maria Shrader, diretora de Stefan Zweig
Qual o valor de Stefan Zweig para a cultura alemã?
Foi um superstar no alto de sua criatividade, ladeando Thomas Mann, o mais lido autor de língua alemã, outro perseguido pelos nazistas e benquisto como figura ilustre, em cada canto do mundo. Ele foi um pacifista radical que se recusou a enfrentar a Alemanha de Hitler. Preferiu usar sua riqueza para auxiliar outros a deixarem a Europa.
Como o exílio marcou Zweig?
Em vez do estabelecimento em Nova York ou Los Angeles, como ocorreu com amigos, ele escolheu a reclusão em Petrópolis. Buscou a segurança, cercado por um paraíso tropical. Ainda assim, se matou em 1942. Foi chocante para o mundo. Escreveu, numa medida, em vida, um paralelo alegórico acerca do exílio.