Durante toda a carreira, o gaúcho Vitor Ramil tomou decisões ousadas. Preferiu continuar morando no interior, lançou discos com grandes espaços de tempo e, acima de tudo, propôs uma nova abordagem para as maneiras de enxergar a cultura gaúcha e o próprio Brasil. A estética do frio, uma teoria criada por Ramil, refuta os estereótipos de um Brasil homogêneo, mas também recusa os gauchismos e o excesso de tradicionalismo.
;Eu me dei conta de que na minha condição de Rio Grandense, de alguém do extremo sul do Brasil, eu precisava reagir contra esses estereótipos. E que, evidentemente, nós temos direito à tradição brasileira também;, explica.
De dentro de um outro Brasil, Ramil começa a construir agora um novo álbum, Campos neutrais. Por meio de crowdfunding, a obra é, segundo o compositor, uma das que mais dialoga com a ideia da A estética do frio.
;Aqui, no Rio Grande do Sul, nós temos uma geografia muito rica, porque nós temos toda a tradição brasileira, mas também está aqui ao nosso lado a cultura de países como Uruguai e Argentina, que é muito viva;, comenta.
O próprio título, além de nomear uma das canções, é uma referência a essa imagem. Os campos neutrais foram uma região que atravessava o Rio Grande do Sul no sentido sudeste-nordeste na época em que o Brasil pertencia a espanhóis e portugueses. A região, por um tratado assinado em 1777, era uma área neutra, que não era dominada por nenhum dos dois países.
;Os campos neutrais ficam a menos de uma hora da minha casa, em Pelotas. E sempre foram muito presentes para mim. Então, fui me dando conta do sentido deles e vi, quando fui montar, o repertório que tinha uma ou duas músicas em espanhol, uma ou duas em inglês, parcerias com o Chico César (paraibano), com o Zeca Baleiro (maranhense), com Joãozinho Gomes (um poeta de Belém do Pará);, conta. ;Vi que meu disco era bem brasileiro, que tinha essa mistura. Achei que tinha a ver com essa imagem;, completa.
No trabalho anterior, Foi no mês que vem (2012), Ramil já tinha optado por usar o crowdfunding como forma de captar recursos. A ideia deu certo, o álbum e o songbook planejados atingiram a marca e foram produzidos. Por isso, foi natural que o cantor optasse outra vez por esse método.
Para Ramil, essa maneira de captar recursos cria uma ligação muito grande entre o artista e o próprio público. ;A gravação de um disco, às vezes, é um processo muito distante. Com o crowdfundig é como se o público dissesse que se interessa e quer o seu trabalho;, comenta.
[SAIBAMAIS]O compositor acredita também que essa interação dá mais responsabilidade à tarefa de gravar. ;O mais legal de tudo isso é a mobilização que as pessoas fazem antes do trabalho existir e a motivação que dá. Isso já vai botando teu trabalho na roda e te enchendo de responsabilidade porque as pessoas estão esperando;, acredita.
Campos neutrais e songbook de Vitor
Ramil financiados via crowdfunding. Apoios a partir de R$ 20, com diferentes recompensas, no endereço www.tragaseushow.com.br/vitorramil
Duas perguntas / Vitor Ramil
O Brasil, como um todo, dá pouca atenção aos sul-americanos?
Historicamente, sim, mas eles também dão pouca atenção para a gente. Eles gostam da nossa música, têm alguns ídolos lá. Mas, por exemplo, na Argentina, alguns artistas que são grandes para nós não são conhecidos. Então, é um pouco lenda essa coisa de que o Brasil dá as costas para a américa-hispânica. Eles também dão as costas para a gente. O problema é a barreira idiomática...
A estética do frio e toda a sua reflexão não têm nada a ver com questões separatistas ou algo do tipo, certo?
Claro. Absolutamente não é isso. É uma reação a isso, a esse sentimento, que, para mim, é totalmente equivocado. E não é que o Rio Grande do Sul seja separatista, isso também é parte do estereótipo. É um grande erro achar que o Rio Grande do Sul é europeizado, que não tem nada a ver com o Brasil.