Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Português, João Pedro Rodrigues traz 'O ornitólogo' a Brasília

'O ornitólogo', premiado pela direção no Festival de Locarno (Suíça), está em cartaz no Cine Brasília (EQS 106/107)

Toques pessoais, a visão de um autor de cinema ;atravessando a vida, em Portugal; e temas que desviam do tom objetivamente político compõem a filmografia do diretor português João Pedro Rodrigues. Aos 50 anos, ele ganhou uma retrospectiva de seu cinema, no Rio de Janeiro. Para Brasília, coube um naco: O ornitólogo, premiado pela direção no Festival de Locarno (Suíça), está em cartaz no Cine Brasília (EQS 106/107).

;A forma que me comunico com os outros é através dos filmes. Creio ainda na capacidade de mudarem o mundo, e acredito num cinema feito sem concessões;, explica João Pedro, numa breve passagem pela capital. O quinto longa, O ornitólogo, retoma, como ele diz, o percurso de personagem solitário, mesmo caso de O fantasma (2000), o filme de estreia dele. Fernando (Paul Hamy), em O ornitólogo, é um protagonista que se perde, numa floresta em que interage com duas chinesas e um rapaz mudo, para, gradualmente, se perceber bastante mudado ; enlevado, mais precisamente.
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;Quis ser ornitólogo, quando criança. Aliás, estudei biologia, mas nunca exerci. É algo que vem um pouco de família, em que temos físicos e químicos. Daí vem certa metodologia prática de olhar o mundo. Tem a ver com as ferramentas com as quais manejo a ficção, trazendo ainda a racionalidade como método. Nunca penso que saiba tudo: é muito importante aprender;, comenta o diretor, famoso por longas como Odete (2005) e Morrer como um homem (2009). No primeiro, morte e gravidez parecem entrelaçar um casal de desconhecidos. Já o outro apresenta um transformista obcecado em apagar o passado (enquanto homem).
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;Para mim, meu cinema traz uma questão de honestidade: tento sempre falar do que está perto de mim. Falo do que sei e do que descubro. Eu não sei falar de coisas que não conheço. Meus filmes, num conjunto, são como uma escada: cada filme é uma espécie de degrau. Nunca quis fazer filmes de uma forma programática;, observa o diretor. Olhar para o mundo e transformá-lo em ficção é praxe de João Pedro. Depois do curta-metragem Manhã de Santo Antônio (2012), ele volta a recriar, em O ornitólogo, parte da vida do santo padroeiro de Lisboa e que tem dia de celebração marcada por oferendas de amantes que, simbolicamente, reforçam o amor, com poesia e arranjos de flores.

;Nunca fiz um filme que me desse vergonha;, comenta o realizador de títulos como A última vez que vi Macau (2012), que encampa o pressentimento de mortos, e O fantasma, revelador das fantasias sexuais de um coletor de lixo. Avesso a analisar as fitas dele ; ;a teoria deve vir dos críticos; ;, João Pedro Rodrigues se vê um pouco na defesa de Gustave Flaubert, autor de Madame Bovary, que, processado, por subverter a sociedade com o tema literário do adultério, em sua defesa, argumentou a origem autobiográfica dos escritos.

Flaubert

;Eu sou todos os meus personagens ;, mas não sou eu. São a maneira como percebo as coisas ; não são figuras autobiográficas;, explica o cineasta português. Mesmo tratando de figura sacra, é bom adiantar, aos mais conservadores, que O ornitólogo vem salpicado com homoerotismo. ;Meus filmes falam de sexualidade: têm personagens homossexuais, mas não só isso. Não posso pretender representar muita gente. Só posso pretender falar de mim;, reforça.

No momento de ter o segundo filme comercialmente exibido no Brasil, João Pedro conta que tem pouco contato com os filmes brasileiros. ;São filmes não chegam a Portugal. Não sou muito bom com internet (para baixar fitas). Vou e gosto de ir ao cinema. Tenho a sorte de ir a Paris, e lá consigo ver muita coisa;, conta.

Feliz com a exibição recente, no Brasil, do filme Volta à terra, de um compatriota, o diretor aposta numa visão otimista quanto ao estreitamento da ponte cinematográfica Brasil-Portugal. Certo pessimismo vem do exame do sistema de produção portuguesa. ;É o único país que congrega toda a esquerda, uma anormalidade no mundo que se virou à direita;, ressalva, entretanto.