Eles são jovens, têm entre 20 e 25 anos e buscam a realização independente de seus espetáculos. São essas algumas das características em comum de artistas de novos grupos teatrais da cidade, que utilizam a internet como forte ponto de apoio para a produção criativa e expansão do público. Entre eles, estão o Coletivo Columna, que estreia sua primeira peça autoral, feita em processo colaborativo, neste mês, e o grupo Tripé, conhecido na cidade por seus espetáculos cheios de experimentação e frescor.
O processo criativo do coletivo Columna, que apresenta atualmente o espetáculo Extinção, teve início em abril de 2016. A estrutura da peça foi erguida a partir de experimentos que trazem relação com a sociedade contemporânea, jogos de improviso, referências e a constante presença de ouvintes de outras linguagens artísticas. A escrita automática auxiliou no preparo do texto. ;Entramos no consenso de que queríamos falar sobre cura e, a partir daí, nos encaminhamos para um processo mais caótico. Trabalhamos estruturas inconscientes muito soturnas e chegamos ao caos e às ideias de fé cega;, conta Emanuel Lavor, um dos atores do elenco.
O espetáculo é ambientado em uma perspectiva onírica e três personagens entram em cena ao descobrir que a água acabou. Com a sede, são trazidas à tona questões como o apocalipse, que evoca ainda a simbologia do doce e o excesso do açúcar. ;Essa imagem do açúcar é muito forte, evoca diversas possibilidades dentro da gente;, afirma o ator. A linguagem jovem é outro ponto forte da peça, que tem sua estrutura sonora produzida por uma DJ, em cena durante todo o espetáculo.
Artistas de diferentes linguagens se juntaram ao coletivo, que é composto por atores, artistas plásticos, musicistas e artistas gráficos. A internet tornou-se essencial como ponto de partida para entrar em contato com um grande público e arrecadar dinheiro para a primeira produção. Além da vaquinha online, o grupo tratou de manter o foco em peças gráficas diferenciadas para cada plataforma online, trabalhando com fotos, gifs, textos e cores chamativas. A visibilidade aumentou em um curto espaço de tempo. A presença nas mídias digitais torna-se ainda um catalisador para grupos independentes.
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O ator Pedro Mazzepas assume também a função de publicitário e designer gráfico do coletivo e lembra que a peça conta ainda com intensa reflexão sobre a maternidade e a potência da figura da mãe. As diferentes linguagens abrem caminhos para novas perspectivas e cria um olhar diferenciado sobre o trabalho teatral. O ator destaca que a forma como o trabalho é divulgado on-line inicia a relação com o espectador. ;Gostamos muito de trabalhar com símbolos. São três personagens que vivem um delírio, um apocalipse de açúcar. A internet tem nos possibilitado um contato direto e engajado com o público, tornando o acesso ao teatro mais democrático;.
A relação online com o público torna-se, a partir dessa iniciativa, instigante e provocadora, tornando os meios digitais uma extensão da própria obra. Um curta-metragem está nos planos de trabalho do grupo, que pretende expandir seu caráter de diversidade artística, entre linguagens e plataformas. A atriz Clara Rabelo destaca que esta característica confere universalidade ao trabalho cênico. ;A peça trabalha temas eternos de uma forma contemporânea. Tratamos, acima de tudo, de temas humanos, mas a forma como colocamos isso em cena que é moderna, questionadora, provocante;.
Tendência
Gustavo Haeser, um dos integrantes do grupo Tripé, também financiou seu primeiro espetáculo pela internet. As mídias auxiliaram a leva o público jovem ao teatro, embalado por peças como Entre quartos e O novo espetáculo. O grupo conseguiu ao longo dos anos conquistar e construir seu próprio público. São pessoas que acompanham o grupo virtualmente e, quando chegam pra assistir algum espetáculo, sabem das muitas coisas que existem por trás do produto final.
O ator afirma que qualquer tema é muito grande e complexo pra ser abordado só em cena, sendo preciso desdobrar essas vontades artísticas em conteúdos e políticas. ;Incorporamos os discursos de cena na própria vida e na rede, e assim não nos contentamos em só produzir espetáculos, mas também em propagar informações, conteúdos e saberes que se relacionem com as obras;. Para ele, essa presença nas mídias pode se transformar em agente político e social, como plataforma de expandir as opiniões e reivindicações levadas ao palco. ;Não utilizamos apenas como meio de divulgar as peças;.
O retorno tem sido perceptível e o grupo se apresentou no último Prêmio Sesc 2016, com cerca de 100 espectadores que ficaram sem ingressos. Haeser lembra que as montagens do Tripé tem um direcionamento muito claro para o público jovem, e, talvez por isso, o retorno seja significativo, com a construção do um novo público: jovens que descobriram o grupo pela internet, que não tinham costume de ir ao teatro e que agora não perdem uma temporada, passando a frequentar as plateias frequentadas pelos próprios atores. O próximo trabalho do grupo contará com exibição em tempo real de um dos monólogos através do Facebook e do Cam4, com isso, será possível assistir ao espetáculo também pelo computador, atraindo, provavelmente, um novo público aos palcos.
Duas perguntas para o ator Gustavo Haeser:
Qual a importância de grupos, coletivos e artistas contemporâneos de trabalharem essa presença artística na internet?
A gente acredita que qualquer pessoa ou grupo que resista a internet está caindo num dos erros mais banais da humanidade, que é exatamente o de negar as evoluções. Enquanto grupo de teatro de um Teatro de Grupo, não somos meramente montadores de espetáculos. Somos um conjunto de pessoas, ideias, opiniões, éticas, estéticas e políticas. Nós, do Tripé especificamente, queremos estar em comunhão com esse público não só durante a temporada, mas durante o ano inteiro. O público não só é o consumidor do nosso produto, mas também incentivador, idealizador, criador.
Seria essa troca através da internet, redes sociais e diferentes mídias um caminho para aumentar e trazer novamente o público para dentro dos teatros?
Acho que podemos ver isso ao contrário. O teatro nega a internet? As tecnologias? Os jovens? Se nega, é fácil de entender porque as pessoas negam o teatro... o teatro é uma tia chata e careta que diz que você não pode ficar no celular enquanto come. E enquanto essa tia chata não pensar numa forma mais inteligente de se comunicar com esse jovem, esse jovem pode até desligar o celular, mas ele não fará por desejo próprio. Enquanto o teatro não aprender com a dinâmica e o conforto da Internet, ele estará fadado a algo que os outros veem como ;pessoas que se levam a sério demais;. Acredito que enquanto o teatro não entrar pra dentro da internet, as pessoas da internet não vão pra dentro do teatro.
Serviço
Espetáculo Extinção, com o coletivo Columna, de 14 a 16 de abril no Teatro Goldoni (208 sul), às 20h. Os ingressos custam R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada).
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