Rebeca Oliveira
postado em 21/03/2017 09:01
O livro Fachadas, do premiado quadrinista gaúcho Rafael Sica, não tem textos. É composto, basicamente, por desenhos da aparência externa de imóveis. Simples, mas não simplórios, eles são os personagens. No entanto, bem se sabe, as aparências enganam. Como outros projetos, a obra brinca com a semiótica para levantar debates sobre assuntos tão diversos quanto contundentes, sem que o artista precise escrever uma única palavra.
[SAIBAMAIS]O indivíduo dá significado a tudo que o cerca. Com o quadrinista gaúcho, não é diferente. ;Ao olhar uma casa fechada, não se sabe o que ela fala por dentro. Quando ela é pixada, acontece uma provocação a esse tipo de construção estética. A parte da frente pode ser pintada e bem cuidada; e por dentro, estar um caos completo. Lá, podem acontecer monstruosidades ou coisas belas, lindas. Ninguém sabe. Trabalho com esse sentido;, diz.
Para o gaúcho de Pelotas, a cidade imaginária montada quando se abre o livro, produzido como uma sanfona, conta muito sobre ele. ;As casas existem isoladamente. Quando se abre o livro, viram um todo, como se fosse uma rua, e se cria outro significado, algo como ;somos todos uma coisa só;;, diz o também autor de Ordinário (Cia das Letras, 2011) e Fim (Beleléu, 2014).
;Há muitas casa antigas e abandonadas por aqui. Tenho o hábito de caminhar pela cidade e observar o que elas contam. A maioria foi construída por escravos, penso no que eles passaram, no que teriam a dizer. Isso me chama a atenção. Além disso, as casas têm uma função dentro da cidade, como todos temos dentro da sociedade;, afirma.
Com dimensão política amplificada desde as manifestações políticas de 2013, as ruas também fomentam a criação. ;Estar na rua é o principal motor desse trabalho. É importante ocupá-las, mostrá-las. Se fosse criar algo de maneira mais crítica, abordaria essa questão das construções verticais e ;gentrificação; das cidades. Preferi mostrar a poética da rua;, conta.
Duas vezes vencedor Prêmio HQ Mix, maior reconhecimento nacional do segmento, Rafael Sica cresceu no subúrbio de Pelotas. ;Por isso, a cidade exerceu um fascínio grande sobre mim na questão de fazer parte dela, mas, ao mesmo tempo, não fazer;, ressalta. Muita gente não se recorda, mas Fachadas tem raízes na capital federal. Em 2013, foi a primeira vez que a reunião de ilustrações de imóveis virou série. E para a revista Samba, produzida pelos quadrinistas locais Lucas Gehre, Gabriel Góes e Gabriel Mesquita.
Janelas de NY
Brasiliense, como os criadores da Samba, o designer Lucas Malta registrou janelas de edifícios em Nova York e fez disso um projeto, chamado Daily windows. Bairros como West Village e Clinton Hill tiveram dos edifícios as janelas ;recortadas; pela visão aguçada de Lucas, que também trabalha com lettering para marcas e bandas da cidade. As fotografias são comercializadas no formato fine art e vendidas pelo site americano Big Cartel, de produtores de arte independentes. Clientes no Brasil pagam R$ 150 por cada pôster.
Por fora, multicoloridas
Douglas Castro e Renato Reno, integrantes do estúdio de design Bicicleta sem freio, também tem dado outro olhar sobre fachadas mundo afora. A parte externa de prédios dos Estados Unidos, Portugal, Alemanha e México, por exemplo, já foram presenteadas com as generosas camadas de tinta dos artistas, que ressignificam espaços públicos ; como também fazem talentos daqui, a exemplo de Daniel Toys e Pedro Sangeon, o Gurulino.
FACHADAS
Fachadas, de Rafael Sica. Lote 42, 64 páginas. Preço: R$ 39,90.